sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Entrevista: Armandinho

Falta de tempo livre é a principal dificuldade na carreira
independente de Armandinho./Foto:João Victor Fiuza
Apesar do afastamento da mídia nacional, Armandinho segue fazendo shows em grande parte pelo sul do país e até mesmo na Argentina e no Uruguai. O gaúcho alcançou o auge da carreira em 2006, com o sucesso de Desenho de Deus. Artista independente, ele conta as dificuldades da carreira e da ausência na função de pai. Atualmente, está em seu quinto CD e segundo DVD. Abaixo você confere na íntegra a entrevista que o cantor deu para o blog do Caio Fiusa, após um show nas areias de Itacoatiara, em Niterói.

Caio Fiusa: Qual a diferença entre o primeiro DVD, gravado em Balneário Camboriú, para esse agora em Buenos Aires?

Armandinho: O primeiro DVD é um momento mais popular. O segundo é mais em função da mudança da banda, pegou a personalidade dela, que é mais rockeira. A minha banda antiga tinha mais uma pegada da MPB que eram os shows que fazíamos no início da carreira em barzinhos. Tocávamos Djavan, Gilberto Gil e outros da MPB e devido à fromação rock n´roll da nova banda, eu acho que é um trabalho menos popular. 

CF: Porque a escolha de não mexer muito na parte técnica?

Armandinho: Resolvi mostrar o show como ele é. Às vezes as pessoas querem fazer um trabalho perfeito querendo cortar coisas que são naturais, que os fãs que vão assistir acabam vendo na hora. A entrada dos roadies (equipe de organização dos shows) no palco eu acho bacana porque eles fazem parte da história e da personalidade de uma banda, então quero que eles apareçam.  Os roadies estão ali no dia a dia, conversam com os músicos, estão dentro do ônibus. Na hora que eles estão trabalhando, acho legal mostrar. Fizemos questão de não esconder.  As falhas fazem parte do espetáculo. Ninguém é perfeito. 

CF: Quais as dificuldades de ser independente?

Armandinho: Independente é difícil, mas hoje com as redes sociais está mais fácil que antes. O mais difícil é administrar o escritório. Não ter mais tempo livre na tua tarde para tocar violão, ensaiar, por estar dentro de um escritório tratando de assuntos que não devia, é complicado. Aí, dá 18h e eu estou carregado de coisas burocráticas do dia a dia de um trabalho. É difícil. Se eu pudesse me livrar da administração do escritório, me livraria. Não é muito saudável para um compositor.
  
CF: Todas as músicas representam um momento da sua vida? Queria saber se você pode dizer a história de Pela Cor do Teu Olho.

Armandinho: A maioria. Acho que não deveria (risos).

CF: Estar longe da mídia é algo que te deixa chateado ou você já encara com naturalidade por ser um meio muito competitivo?

Armandinho: Estava assistindo ao show do Stevie Wonder em casa e vi a área vip com vários artistas e pensei ‘’Poxa, como eu queria estar lá.’’. Sinto um pouco de falta. Não precisa estar sempre com uma super exposição, mas de vez em quando ir lá, fazer um programa bacana, é bom. A gente consegue atingir um maior numero de pessoas com a televisão. Artisticamente falando, a televisão é um palco para milhões de pessoas. Se me convidasse para um programa, eu certamente iria. A vida é feita de ciclos e nós temos que respeitar. Se tiver que voltar, eu volto, se não eu sigo o meu caminho. 

CF: Ao longo da semana, falando com o Claudio Diel, ele contou que você estava muito abalado com a tragédia em Santa Maria. Queria que você tentasse explicar como foi essa semana.

Armandinho: Não divulguei o show de hoje (03/02) em nenhum momento nas redes sociais, procurei nem tocar no assunto, não transmitir isso para o público que estava muito feliz ali. Eu pensei em parar, prestar uma homenagem, mas a galera estava com uma vibe positiva. Foi um absurdo o que aconteceu. Fui escolhido pelo povo de Santa Maria para tocar no aniversário de 3 anos da boate, em julho. Tenho um envolvimento com a cidade. Eu fiz uma visita ao Hospital do Câncer Infantil de Santa Maria que é referencia no Brasil e fui tocar para as crianças. Foi uma das experiências mais fortes da minha vida. Vendo os vídeos e os aplausos, fico pensando ‘’Esse aplauso pode não estar mais aqui’’. Cancelei um show sexta (01/02/13) e o Planeta Atlântida foi cancelado, que eu achei uma atitude nobre do grupo RBS. Apesar do prejuízo que eles tomaram, eles vão ganhar por causa da atitude.

CF: Já pensou em fazer alguma música em homenagem às vítimas?

Armandinho: Não deu tempo. Essa semana foi tão pesada por conta disso, o cancelamento do show de sexta também. Não é fácil cancelar um show, a gente tem um contrato. O cara gastou com panfleto, mídia de rádio, aluguel do clube e de repente eu ligo para ele e digo ‘’Não vou mais tocar.’’. Quem vai arcar com isso? Sou eu. A semana toda foi de negociação, coisas que as pessoas não sabem que rolam. Hoje, aqui, eu estou relaxando, estou tirando o luto que passei a semana toda e esse show aqui em Niterói foi significativo por isso. Voltei a sorrir e ver as pessoas felizes. Consegui tirar o peso que foi essa semana no Sul. 

CF: Percebeu alguma mudança no público? Esperava esse assédio todo?

Armandinho: Tive um momento muito bonito aqui no Rio, em 2006 e 2007. Mesmo estando fora da grande mídia, o público não esquece. Acho que houve uma renovação. Quando vim para cá em 2006, vim da internet e hoje eu estou de novo. Ter um público fiel que me acompanha na internet me faz sentir em casa. Tem muita gente ainda da turma de 2006 e 2007, mas houve essa renovação e o mais incrível que é com as mesmas musicas. 

CF: E falando nisso, apesar do tempo, suas músicas desse período são as mais cantadas...

Armandinho: Não tem como virar as costas para as musicas antigas. O cara vai no show do Lulu Santos, do Kid Abelha, quer ouvir as musicas do anos 80. Nosso trabalho passa a não nos pertencer mais. Tu não tens o direito de dizer ‘’Agora eu não vou mais tocar as músicas antigas e a galera vai ter que aceitar o meu trabalho novo.’’. Vou continuar tocando. Às vezes tiro Pela Cor do Teu Olho, por exemplo, e alguém diz ‘’Vim aqui só para ouvir essa.’’. Mesmo lançando um CD com 10 ou 12 músicas inéditas, eu só consigo colocar 3 ou 4 no show. O show hoje já está com duas horas, não tem mais espaço.

CF: Porque tem evitado tocar Folha de Bananeira?

Armandinho: Não tenho tocado mais justamente para dar um apoio simbólico, não estar sendo conivente com o uso de drogas. Eu tenho uma responsabilidade com os jovens. Quando é um show em casa noturna para maiores e a galera pede, eu toco. Mas quando tem molecada, não. Tem pessoas que enxergam a música numa boa e tem pessoas que não. Respeitando as pessoas que não enxergam, eu não toco. É uma musica divertida, que joga para cima, mas o meu trabalho não se resume a ela. 

Para o cantor, a música está acima da rivalidade entre Brasil
e Argentina/ Foto: João Victor Fiuza
CF: Como lida com o tempo para o trabalho e para a família?

Armandinho: Quando eu tinha um empresário, tinha mais tempo para a minha família. Às vezes não consigo ser pai integralmente. Estou viajando, chego durante a semana e fico envolvido com trabalho. Gostaria de ser um pai mais presente. Tenho que erguer milhões de homenagens a minha mulher, muito mais que Sol Loiro. Ela é uma guerreira. Estou aqui falando contigo e ela está lá sozinha. Eu sei que ela queria estar aqui comigo. Se ela pudesse faria isso em todos os shows.

CF: Nesse último DVD, gravado em Buenos Aires, percebe-se o carinho do público argentino com você. Como é a sua relação com a Argentina?

Armandinho: Criei uma relação muito forte com a Argentina e o Uruguai, principalmente a Argentina. A rivalidade no futebol tem que continuar, faz parte do jogo, valoriza. Mas nada melhor que a música para dizer ‘’Olha, não é só aquela guerra dentro do campo.’’. Quando a gente toca, a gente toca junto. 

CF: Teve um momento marcante no show, quando você toca Rosa Norte com a camisa da seleção argentina..

Armandinho: Para nós que somos brasileiros, é difícil vestir a camisa que no futebol é a seleção a ser batida. Não estava como torcedor ali, estava como ser humano. A música tem um elo emocional que faz as pessoas esquecerem de tudo. Quando vesti a camisa, mostrei que a música está acima. Continuamos rivais no futebol. A paz entre os povos é fundamental para que possamos viver melhor. 

CF: Porque voce acha que as pessoas gostam de você, curtem o teu som?

Armandinho: Sou uma pessoa normal. Tenho milhões de defeitos. Sou romântico para caramba. Acho que é isso, sou romântico. 

CF: Queria que você falasse do Armando Antônio Silveira, sobre a sua infância, criação...

Armandinho: Sou filho do Woodstock, fui gerado no meio do ano de 1969. Sou filho de pais separados, meu pai foi embora quando eu tinha dois anos, formou outra família e me via de vez em quando. Fui criado pela minha mãe e pela minha avó como filho único até os 15 anos. Minha mãe casou de novo e construiu uma nova família. A minha avó é uma pessoa que não teve muito estudo, veio de São Borja, interior do Rio Grande do Sul e criou a minha mãe no instinto. Mal sabia escrever e perdeu meu avô assassinado no exército quando a minha mãe tinha dois anos. Perdeu o pai com dois anos e o meu foi embora quando eu tinha dois também. Essa pessoa que não está mais aqui hoje, que é a minha avó, foi muito generosa, de uma humildade muito grande. Ela me ensinou a falar com os mendigos, cresci vendo ela fazer essas coisas. Tenho muito da personalidade dela. Ela era uma pessoa explosiva às vezes, falava muito, até o que não devia, por ser impulsiva. Às vezes eu faço isso, falo uma bobagem, chego em casa e penso porque falei aquilo.

CF: E o Armandinho?

Armandinho: Eu gosto do palco. Não me considero um grande cantor, eu desafino. Não me considero um grande guitarrista e não me considero um grande tocador de violão. Eu me respeito em cima do palco, nas quatro linhas com o microfone na mão. Ali eu fico cego. É o que eu mais gosto de fazer.

CF: Tem alguma música que te marcou mais, que você mais gosta de cantar ou que você poderia destacar?

Armandinho: É que nem filho, não posso dizer ‘’Eu gosto mais desse!’’. Tem especiais como Eu Juro, Outra Noite Que Se Vai...Não tem como escolher.

Agradecimentos: Claudio Diel
Entrevista realizada dia 03/02/2013 em Itacoatiara, Niterói.
Críticas, dúvidas e sugestões: fiusa.caio@gmail.com

Um comentário:

  1. Parabéns, ótima entrevista. Esse cara tem uma energia que poucos tem, o Armando é mestre no que faz.

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