quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Entrevista: Franklin Vicente

Emprestado ao Celje, Franklin se recupera
de grave lesão/ Foto: Leo Carahija


Uma grave lesão e 5 meses longe dos gramados. Emprestado pelo Olimpija Ljubjana ao Celje, ambos da Eslovênia, até o fim da temporada, em dezembro, para se recuperar de uma ruptura no músculo posterior da coxa direita, o atacante Franklin Vicente não deixa se abater. Aos 24 anos, o jogador está há 3 no país europeu onde enfrenta além da marcação dos adversários, o inverno rigoroso. Abaixo você confere na íntegra, a entrevista exclusiva que o atleta, revelado pelo Figueirense-SC deu ao blog do Caio Fiusa. Nela, Franklin conta um pouco sobre o futebol e a cultura de um país tão desconhecido para os brasileiros.

Caio Fiusa: Você está voltando agora de uma grave lesão. Como está se sentindo? Já está 100%?

Franklin Vicente: Depois dos dois últimos jogos, já estou me sentindo muito bem, mas ainda preciso recuperar a minha forma física. No primeiro jogo, depois da lesão, joguei 20 minutos, no segundo um tempo inteiro, no terceiro joguei 80 minutos e o último joguei o jogo todo. A confiança vai voltando com o tempo. Ainda não me sinto confiante para fazer algumas coisas, mas graças a Deus estou a cada dia melhor.

CF: Há 3 anos no país, você já disputou 77 partidas e marcou apenas 11 gols. Está satisfeito com essa média?

FV: Eu jogo mais como segundo atacante, pelos lados do campo. Não sou centroavante. Sempre tenho números maiores de assistências do que de gols, mas claro que quero fazer gols também. Como um profissional, eu sempre procuro melhorar. Quanto mais gols eu fizer, melhor para mim e para minha equipe.

CF: A maioria dos jogadores dos elencos de Olimpija e Celje é eslovena, diferente de outros países europeus onde é difícil você encontrar um jogador local no primeiro time. Você acha que essa predominância de eslovenos faz com que o futebol da equipe fique muito preso ao estilo de jogo esloveno?

FV: Eu acho que isso não muda muita coisa. O jogador estrangeiro vem pra cá para fazer o que o treinador quer. Os eslovenos gostam de jogadores talentosos que sejam de fora, mas ele tem que ser em primeiro lugar dedicados taticamente e depois ele vai mostrar o talento. Os 11 jogadores tem funções no ataque e na defesa, não existe essa de atacante não marcar. Então, não adianta você fazer dois gols por jogo e não ajudar a marcação. O jogo é bem intenso e o atleta corre o tempo inteiro.

CF: Você tem liberdade para mostrar e desenvolver as suas principais características?

FV: Eles me entendem e pedem para eu driblar, arriscar jogadas, mas quando temos que marcar eles exigem que eu marque assim como todos os outros.


CF: Na entrevista anterior, o Tom Gilio, que está na Bulgária, revelou que os próprios jogadores têm um certo preconceito contra estrangeiros e, principalmente, contra negros. Você já passou por alguma situação do tipo? 

FV: Olha, aqui na Eslovênia eu não percebo nenhum tipo de racismo contra estrangeiros, pelo contrário, somos muito bem tratados. Mas eu já fui ofendido 3 vezes aqui em partidas, todas elas no mesmo lugar. A torcida desse time era meio barra pesada também. Fora isso, eu tenho um vida bem tranquila em relaçao a esse tipo de preconceito.

CF: Futebol aí é paixão? Os torcedores tem aquele fanatismo? E eles são violentos?

FV: Fanáticos somente as torcidas do Maribor e do Olimpja, porque são os dois maiores times do pais. As dos outros clubes são normais, até porque aqui o futebol não é o esporte preferido deles. Então não é aquela paixão como no Brasil. E os casos de violência são entre torcida e polícia.

CF: Nos últimos 4 anos, o Maribor foi 3 vezes campeão e é o maior vencedor do campeonato nacional com 10 conquistas. Isso mostra que o campeonato é desequilibrado?

FV: Nao, o campeonato é muito disputado do começo ao fim. Apesar de o Maribor nos últimos anos ter um notório desempenho nas eliminatórias dos campeonatos europeus, eles têm dificuldade como todos os outros times de ponta do pais.

Maior dificuldade de Franklin foi o inverno esloveno./
Foto: Miha Koron
CF: O campeonato esloveno é recente devido ao fim da Iugoslávia. Por conta disso, é atrasado? Falta estrutura? 
FV: Em termos de estrutura nem todos tem tanto a oferecer, mas todos eles têm estrutura de time profissional. Os clubes são de longa data, a maioria já existia desde do tempo da Iugoslávia. O problema é mesmo que os eslovenos não são apaixonados como nós pelo futebol.

CF: Eu vi que os estádios são acanhados, com média de 16, 18 mil de capacidade. Mesmo assim a torcida comparece e faz deles pequenos caldeirões? 

FV: Os estádios são pequenos, o maior é o do Olimpija com capacidade para 22 mil.
A ocupação depende do jogo. Quando são clássicos, a torcida comparece. A festa fica mais para as organizadas, elas que têm os fiéis torcedores.  

CF: A Eslovênia esteve na última Copa, na África do Sul, em 2010. Você acha que isso fez com que houvesse um investimento nas categorias de base? Como está o futebol esloveno nesse sentido?

FV: Acho que o investimento na base ainda é muito precário. Precisa-se de muito mais para se manter em um alto nível.

CF: Diferente de muitos brasileiros, você tem um empresário estrangeiro, o croata Mirsad Keric. Estar com ele foi uma opção sua? E quanto tempo tem essa parceria? 

FV: Vão fazer 3 anos que estamos juntos. Ele me procurou e o interesse de me levar para fora do Brasil veio dele também. Eu sempre tive o sonho de jogar na Europa, então quando pintou uma oportunidade eu não pensei duas vezes.
CF: Você foi revelado pelo Figueirense, mas não chegou a brilhar com a camisa alvinegra. Você se arrepende de ter saído cedo do clube e não ter tido a oportunidade de mostrar mais o seu futebol?

FV: Foi ótimo ter sido relevado no Figueirense! Eu aprendi muito no tempo que eu fiquei no clube. Tive grandes treinadores em cada categoria que passei. Eu não me arrependo de ter saído e acho que cada um trilha seu caminho e segue o que acha melhor para sua carreira. Para mim foi uma ótima decisão, mas muitos não fariam essa troca. Quando eu decidi sair, o Figueirense passava por problemas e nós, jogadores formados no clube, fomos deixados de lado. O importante para um atleta é jogar, para estar em evidencia. Por isso decidi sair, porque naquele momento eu não teria a oportunidade de mostrar o meu futebol. 

CF: Figueirense esse ano disputa a série B do Brasileiro. Tem acompanhado os campeonatos, tanto a série A quanto a B?

FV: Vejo muito pouco a série A e a B eu não acompanho nada.

Atacante pretende ficar mais na Eslovênia e voltar ao
Brasil após a aposentadoria./Foto: siol.net
CF: Por ser uma ex-república iugoslava, existe muita rivalidade com os outros países como Croácia, Sérvia, por exemplo?

FV: Tem sim, não parece que um dia eles foram um mesmo país. A rivalidade entre eles nos esportes é uma coisa bem forte, porém saudável. Eles não se desrespeitam e nem se agridem.

CF: Eu acredito que seja uma cultura muito diferente da brasileira, não é?

FV: A cultura deles é totalmente diferente. Os eslovenos são pessoas mais fechadas e mais complicadas de se fazer amizade. Eu tive um pouco de dificuldade para me adaptar aos costumes e hábitos deles como almoçar muito tarde. A comida por exemplo não tem tempero nenhum. Você quase não vê pessoas reunidas para comerem ou saírem juntas. Também tem um pouco de falta de higiene em relação aos desodorantes. Muitas pessoas andam com um cheiro muito forte de suor, até mesmo algumas mulheres. Mas hoje já me adaptei e considero a Eslovênia minha segunda casa.

CF: Já que você tocou no assunto, qual foi a sua maior dificuldade de apaptação?

FV: O inverno é super rigoroso aqui, sofri muito no período. Além de ser difícil fazer qualquer coisa nessa época, principalmente treinar e jogar.

CF: A ilha de Bled na Eslovênia foi considerada a mais bonita do mundo. Além disso, o país é um dos primeiros a produzir comida orgânica. Já teve a oportunidade de visitar o lugar ou comer esse tipo de alimento? O que mais você visitou e pode destacar do país? 
  
FV: Eu visitei a ilha de Bled, que é um dos pontos turísticos mais bonitos. Fui à caverna de Postojna, à de Predijama e visitei o lago de Bohjn. Fui também a dois lugares muito bonitos que são Portoroz e Piran. Eu posso dizer que a Eslovênia é de uma belíssima natureza. O turismo é movido pelas belezas que a natureza oferece. Mas ainda não experimentei a comida orgânica.

CF: Resumindo todas as suas experiências na Eslovênia e claro, no futebol do país, acha que é vantajoso para o brasileiro tentar a sorte aí? Porquê? 

FV: Sim, é muito vantajoso porque o Euro é muito mais valorizado do que o Real e o custo de vida aqui é muito mais baixo do que no Brasil. Eu chego até a ficar assustado quando vou para o Brasil e vejo os valores de certas coisas. Sem falar que a condição de vida que a Europa oferece é bem melhor do que a oferecida no Brasil, em relaçao a saúde, educação, segurança e infrainstrutura. E ainda tem a taxa de desigualdade social que é quase zero.

CF: Você hoje está casado. Pretende construir a sua família na Eslovênia ou na Europa? 
 
FV: Pior que não. Mesmo com tudo que a Europa oferece eu sinto falta da minha família e dos meus amigos e também do Brasil.

CF: Mas pretende continuar aí ou voltar para o Brasil? 
 
FV: Sim, eu quero estar por aqui até eu parar de jogar. Depois quero voltar para o Brasil e me estabelecer o mais rápido possível.
  
CF: Alguma história para relembrar?

Maior objetivo do atacante é garantir o futuro da família.
/ Foto: Arquivo Pessoal
FV: Teve uma que aconteceu logo quando eu cheguei. Eu não sabia falar nada e tinha acabado de começar as aulas de esloveno. Aí um dia fomos almoçar juntos em um hotel antes de um jogo. Logo após a refeição, eu queria agradecer ao garçom por ter me servido. Um colega me disse que eu deveria dizer ''hvala barko''. Só que isso significa ''obrigado bigodudo'' e eu sem saber de nada e achando que estava falando corretamente, disse isso ao cara. Ele ficou me olhando com uma sem graça e todos do time não paravam de rir. Até que me explicaram o que eu tinha tinha dito e também explicaram ao garçom (risos). No final ficou tudo bem.

CF: Eu gostaria que você dissesse quais são seus objetivos a serem alcançados?

FV: Bom, meus objetivos não são muito diferentes dos outros jogadores. Eu quero jogar a Liga dos Campeões, Copa do Mundo, jogar em grandes clubes europeus. Mas o principal é, quando eu encerrar minha carreira, ter a consciência de que eu fiz tudo o que eu podia, sem nunca me omitir e, sem dúvidas, garantir uma vida digna à minha família, que sempre estiveram ao meu lado e merecem tudo de melhor. Resumindo, meu objetivo não é conquistar o mundo e nem ser o melhor, eu quero garantir o futuro das pessoas que eu amo, e ser feliz a cada dia com o futebol que é a minha paixão. Deus me deu um dom e a oportunidade de, através desse dom e do meu sonho, viver e dar alegria para os que apreciam o futebol. 

Entrevista realizada em 30/09/2013, pela internet.
Críticas, dúvidas e sugestões: fiusa.caio@gmail.com   

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