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Persistente, atacante levou 10 anos para se formar em Administração./Foto: Arquivo Pessoal |
Caio Fiusa: Você é formado em Administração e acredito que pertença a um pequeno grupo no futebol que conseguiu manter os estudos...
AC:
Então, quando eu fui para a Europa eu sempre tive o pensamento de
voltar para terminar a faculdade. Levei quase 10 anos para conseguir.
Hoje, eu acho que isso está mudando. Os jogadores estão procurando se
profissionalizarem fora de campo. Existem mais opções de faculdades, até
mesmo ensino a distância, que para o jogador é essencial. O jogadores
têm a imagem de ''burro'', mas são pessoas muito inteligentes. Não é
justo o cara ter que abandonar os estudos para seguir no futebol. Os clubes têm de saber lidar com a questão da idade. Por isso que, às
vezes, o jovem prefere o lado do estudo por considerar uma carreira
''mais séria''. O futebol ainda é visto como algo marginal. Não é e não
precisa ser.
CF: E como foi o seu início no futebol?
AC:
Para você se tornar profissional, normalmente você começa a jogar muito
cedo. Não é uma regra. Eu comecei com 8 anos. E nas categorias de base o
profissionalismo se mistura com a diversão. Mas eu consegui terminar
meus estudos, chegar a faculdade que é muito difícil por conta do
calendário. Chegou uma hora que tive que parar a faculdade, quando fui
jogar fora do país. Foi um período difícil para conciliar mas valeu a
pena. É o que eu vou levar para minha vida no pós carreira. Fiz toda a
minha base no São Cristóvão.
CF: Você jogou no São Cristóvão pouco tempo depois de o Ronaldo ter saído de lá. Ele era uma referência para os garotos?
AC:
O Ronaldo foi um caso especial, um ponto fora da curva. Ele saiu do São
Cristóvão sem ter ficado tanto tempo lá. Apesar de ter aquela frase
''Aqui nasceu o fenômeno'', ele não chegou a ser uma referência dentro
do clube. Não deu tempo dele construir uma carreira. O Ronaldo vai ser
sempre uma referência pelo jogador que ele foi.
CF: E alguma vez houve alguma comparação, por vocês dois serem atacantes, começarem no São Cristóvão?
AC:
Eu já tinha uma experiência fora do país. Joguei por um tempo no Boa
Vista de Portugal, clube onde o meu pai também jogou. Do Boa Vista eu fui
convidado para jogar no Sporting Lisboa. Uma vez um empresário me
ofereceu ao PSV. Isso foi em 1998. E aí fomos conversar com Bobby
Robson, que tinha treinado o Ronaldo no Barcelona e estava de volta ao
PSV. Eles estavam em Lisboa para um jogo contra o Benfica. Quando nós
fomos apresentados, ele comentou ''Será um possível novo Ronaldo?''. Mas
tudo na brincadeira. Afinal, eles tiveram uma sequência boa com Romário
e Ronaldo. O negócio não foi para frente por questões contratuais, mas a
conversa foi bem interessante.
CF: Você teve uma passagem rápida pelo Vasco em 2000. Queria que você falasse um pouco do tempo em São Januário.
AC: Eu cheguei ao Vasco na época da Copa João Havelange. Era junior no São Cristóvão e me profissionalizei em São Januário. E como no clube tinham muitos atacantes bons como Romário, Edmundo, Viola, Euller, além dos que estavam subindo da base, acabei voltando ao São Cristóvão para jogar a competição.
CF: Após a curta passagem pelo Vasco e também pelo Boa Vista, de Portugal você mais uma vez tem um clube português na carreira: a Portuguesa. Mas, no final do ano de 2002, a Lusa foi rebaixada pela primeira vez em sua história no Campeonato Brasileiro. O que aconteceu?
AC: A Portuguesa é um clube que, de uns anos para cá, criou-se o rótulo de
um clube pequeno. Mas eu vejo como um clube muito tradicional, forte
politicamente, que consegue sobreviver com seus associados e patrocínio
dos próprios associados. Tem os seus momentos de baixa, mas é muito
importante no cenário nacional. Tive uma experiência muito boa, a
primeira fora do Rio, que me deu a oportunidade de ter contato com a
colônia portuguesa que é a minha também e acabou servindo de trampolim
para a Europa. Na época, o clube vivia uma crise política. Quando a parte política começa a interferir muito, reflete no que está acontecendo no campo. E nesse mesmo ano, o clube foi campeão da Taça São Paulo de Juniores, então tinham jovens muito bons que não tiveram as oportunidades no momento certo.
CF: Você disse que o elenco tinha muitos garotos e você mesmo era jovem ainda. Você acha que o rebaixamento pode ter queimado os jogadores?
AC: Queimado não, mas desvaloriza. Se o clube não tivesse caído, os jovens teriam mais oportunidades. Eu mesmo depois disso saí do país. Claro que foi uma oportunidade boa para mim, mas de repente se a Portuguesa não tivesse caído eu poderia ter feito uma carreira no Brasil mais longa.
CF: E aí, logo depois da sua experiência fora do Rio, você acertou com o Apollon, da Grécia. Como foi sua passagem por lá?
AC: Depois da Portuguesa, fui a Portugal tirar o passaporte e tive um convite para jogar na Grécia. Na época tinham muitos brasileiros, inclusive o técnico Eduardo Amorim. Eu me surpreendi com o país. Consegui aprender a língua também. Sempre tive essa questão do estudo junto. Consegui juntar os brasileiros e formar um grupo de estudos lá para aprender a língua. Apesar da fama que os gregos contraíram depois da crise financeira, eu nunca tive problema contratual, foi tudo sempre cumprido conforme o combinado. A experiência foi boa, conseguimos subir o clube para a Primeira Divisão.
CF: Logo depois de você sair do Apollon, a Grécia foi campeã da Eurocopa de 2004. Existia alguma expectativa do povo para a competição?
AC: Não existia expectativa nenhuma. Existia só para receber as Olimpíadas. Só o fato de terem se classificado para a Eurocopa já era um ponto positivo, mas o título surpreendeu o mundo e o próprio país.
CF: Ainda acompanha o futebol grego?
AC: Falo com os meus amigos, acompanham por eles mesmo. O Apollon ficou um tempo na Primeira Divisão e depois caiu, também por problemas financeiros. A Grécia é um lugar onde os torcedores são muito apaixonados. Eles continuam indo aos estádios e as rivalidades continuam sendo exploradas. Enquanto isso existir, o campeonato grego vai ser um sucesso dentro do país. Tanto que a seleção está classificada para a Copa.
CF: Através de vídeos na internet dá para ver que os gregos são muito fanáticos pelos clubes, isso vale também para o basquete. O futebol é o primeiro esporte na Grécia, assim como é no Brasil?
AC: Acredito que seja. Eles gostam muito de basquete também. Os torcedores são presentes, fazem muita pressão, principalmente quando o clube perde. Eles fazem muitas festas também, costumam levar sinalizadores, fica bem bonito.
CF: Sobre o futebol e mais especificamente a seleção, a Grécia é famosa pelo estilo defensivo. Você sentia isso nos clubes?
AC: Eu acho que essa cultura começou por causa do título de 2004. Eles claramente tinham no campeonato um posicionamento mais defensivo, que funcionou. A partir do momento que dá certo para um país que até então não havia conquistado um título expressivo, aquela cultura passa a predominar. Não sei se os clubes refletem essas estratégias. Acho que não. Depende muito de contra quem se joga. Se o Olympiacos for jogar contra uma equipe pequena, não vai ter essa postura. Talvez a seleção jogue assim ainda por ter dado certo antes.
CF: Você também atuou pelo Dundee, da Escócia e atualmente, fala-se muito na mudança da dupla Celtic e Rangers, gigantes locais, do campeonato escocês para o inglês. Você acha que daria certo?
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Para Alexandre, campeonato escocês seria prejudicado com saída de Celtic e Rangers./ Foto: Arquivo Pessoal |
AC: Eu, particularmente, acho que sim. É complicado por uma questão regional, pelas desavenças entre Inglaterra e Escócia. Celtic e Rangers estão muito acima dos demais. Ao mesmo tempo alimenta o próprio campeonato escocês. Se os dois saírem, a competição fica muito prejudicada. Até por questões nacionalistas, eu acho que tanto Celtic quanto Rangers não fazem força para essa mudança.
CF: Com exceção dos dois grandes campeões, o campeonato é nivelado?
AC: Todos os outros clubes, dependendo do ano, pertencem ao mesmo nível. É um campeonato muito interessante, por estar próximo da Inglaterra é bem visto, os clubes possuem boas estruturas...
CF: A gente sabe que no passado a Inglaterra sofreu muito com os atos dos hooligans e na Escócia existe uma das maiores rivalidades do futebol mundial entre Celtic e Rangers. Comoera essa questão da segurança por lá?
AC: Nessa época e até hoje eu acho, diminuiu bastante. Não vi nada. Pelo contrário, vi uma organização fantástica. Os jogos de Celtic e Rangers têm média de 50 mil torcedores e quando nós chegávamos no estádio não tinha ninguém. A gente descia para trocar de roupa, fazer aquecimento e quando voltava estava lotado. As pessoas entravam faltando 15, 20 minutos e a mesma coisa acontecia no fim do jogo. É um fluxo grande de pessoas muito bem organizado. Violência eu não vi, como tinha Grécia. Lá eles quebravam cadeiras, carros, marcavam brigas, ameaçavam jogador... Aquele jogo trágico entre Liverpool e Juventus em 1985 foi um marco.
CF: Queria que você falasse sobre o CFZ, clube pelo qual você teve duas passagens (2006-2007 e 2011-2012) e que tem um modelo de gestão empresarial.
AC:
Não sei como está hoje, mas começou com uma proposta interessante. Na
época era Rio de Janeiro e depois, acredito que por uma questão de marca
mudou para CFZ. Era uma intenção do Zico montar um clube empresa, nos
moldes que ele tinha visto fora. Acho que ele foi muito bem, mas
infelizmente não conseguiu chegar na Primeira Divisão. Vejo ele com a
escolinha Zico 10, com a oportunidade de disseminar uma proposta muito
legal, atrelar a educação ao esporte. Hoje, o CFZ tem um papel mais
formador, não só de jogadores, mas de pessoas que vivenciaram o futebol
por algum tempo. Mesmo que a pessoa não venha a ser um jogador, ela vai
ter o futebol como determinante na vida dela e isso gera mais um fã, um
consumidor para o esporte.
CF: Em 2008 você acerta com o IBV, da Islândia. Conta um pouco sobre esse país tão desconhecido para nós que por pouco não se classificou para a Copa de 2014 (eliminada na repescagem para a Croácia).
AC: Normalmente os jogadores islandeses têm bastante sucesso em outros países. Isso contando que o campeonato da Islândia dura 4 meses. É um país com 300 mil habitantes com complexos esportivos e campos de futebol fechados e climatizados para formar atletas, que mesmo no inverno eles continuam praticando. Lá reina o espírito de comunidade, as pessoas se ajudam muito, precisam dos mesmo serviços e compartilham tarefas. A mesma pessoa que trabalha no banco, no dia do jogo ele ajuda o clube vendendo ingresso. Não tem habitante suficiente para ocupar todas as funções. Todo mundo faz sua própria obra e mudança, por exemplo. O meu clube ficava em uma ilha pequenininha de 4 mil habitantes.
CF: O próprio nome do time (IBV é Ibróttabandalag Vestmannaeyja) é complicado. Você conseguiu aprender algo de islandês?
AC: Eu fiz um curso de islandês, na época eu aprendi o básico,
mas não tanto quanto o grego. É legal para aprender algumas
curiosidades. Hoje, na Grécia eu conseguiria me virar. O que me ajudou
foi que eu sempre gostei de matemática, que usa as letras do alfabeto
grego. Então são as letras da matemática fazendo sentido, compondo uma
palavra. O meu estudo de grego foi importante porque lá, muitas pessoas
não falam inglês. Na Islândia que foi muito complicado.
CF: Voltando ao Reino Unido, mais recentemente, em 2012, você defendeu o
Billericay Town FC, um clube que disputa uma liga regional que vale
para o âmbito nacional. Eu queria saber a sua opinião sobre esse formato
de competição.
AC: Principalmente falando em
Campeonato Brasileiro, fala-se muito em acabar com os estaduais. Eu não
concordo com isso porque é uma particularidade do Brasil. Cada país tem
as suas particularidades e a Inglaterra conseguiu sucesso no seu
campeonato, respeitando uma particularidade dela que são as
regionalidades. Se a Inglaterra conseguiu isso, foi por causa de medidas
x e isso não quer dizer que o Brasil tenha que fazer o mesmo. Precisa
existir criatividade considerando as nossas características locais.
Existem tantos clubes que precisam de receita e exposição que estão
ficando de lado. Existem jogadores que precisam jogar. Futebol não é
feito de primeira divisão. Quanto mais divisão você tiver, mais
jogadores você vai descobrir, mais talentos você vai gerar e fomentar o
esporte no país. A gente não pode matar os times de menor expressão,
devemos dar condições a eles disputarem campeonatos rentáveis. Em São
Paulo consegue-se fazer isso. O futebol não tem que ser milionário para
ser bom.
CF: E qual ou quais você acha que são os problemas dos clubes brasileiros?
AC:
Os clubes pecam por depender das cotas de televisão e do patrocinador
master. Acho que o clube não precisa disso. Minha vontade é de, quem
sabe um dia, eliminar o patrocinador master. Existem outras formas de
conseguir receita. Isso se dá através de licenciamento. Quando os clubes
tiverem suas marcas geridas para licenciarem produtos, vão ter um
retorno muito maior. Hoje em dia, são tantos pedaços de patrocínios na
camisa que o (patrocinador) master se perde ali. O que acontece é que a
marca está sendo vendida na camisa. Com a exposição ela vende mais
produtos ou mais serviços. Ora, se essa exposição gera mais venda de
produtos e/ou serviços, porque não vender serviços e produtos do clube?
Se é tão claro que é bom para uma empresa que a marca dela esteja na
camisa do clube, porque não a marca do clube na camisa? Isso acontece
porque ainda não existem produtos nem serviços atrelados.
CF: Queria que você fizesse um balanço da sua carreira, em ser no que nós chamamos no futebol de ''andarilho''.
AC:
É bom porque eu pude conhecer várias culturas e o ponto negativo é não
ter uma identificação maior com algum clube. Mas, dentro da minha
proposta, que era justamente conhecer lugares bacanas, eu acho que fui
muito bem sucedido. Eu ainda pretendo ou conhecer um novo lugar ou
voltar para onde já estive, não sei. Ainda dá para eu jogar por muitos
anos.
CF: Eu vi que você tem vídeos na internet. Hoje, os clubes
levam isso em consideração na hora de fechar um contrato, é importante
ter um?
AC: O You Tube nada mais é do que uma
televisão gratuita. A gente sabe que o Neymar está jogando de uma forma
no Barcelona sem ter ido lá ver. A gente vê os vídeos dele jogando lá.
Eu vejo muita implicância, um olhar pejorativo com vídeo de jogadores,
mas é que todo jogador tem imagens para mostrar, desde o mais famoso até
o menos famoso. Os clubes levam a sério, mas não 100% na hora de
contratar. Inicialmente, você precisa ter um material on-line para
mostrar, convencer alguém a viajar para te ver.
CF: Sobre atuar fora do país, o que você pensa a respeito?
AC:
Eu acho que o brasileiro merece ter essa experiência de jogar fora.
Jogar em um outro país e ser reconhecido pelo que você faz, é muito bom.
Agora, em que ponto cada um deve ir, depende de cada jogador. Eu sempre
quis ir muito cedo, além de ter a facilidade do passaporte português,
ninguém veio me buscar aqui e eu que fui para lá para também conhecer
outras culturas. Eu sabia que isso ia enriquecer não só a minha
carreira, mas também em mim como pessoa. O que eu vejo é que as
propostas aparecem cada vez mais cedo e fica difícil para o jogador
recusar.
CF: O que você levou do Brasil para os países por onde passou?
AC: As pessoas sempre perguntavam o que eu estava fazendo no país delas, elas têm a imagem de um país muito bonito. Mas, por outro lado, elas têm muito medo da criminalidade. O que eu passava a essas pessoas era que estavam certas quanto a beleza, mas não tanto em relação a violência. Eu dizia que o Brasil tinha passado por uma crise de violência mas que já não era tanto assim. Incentivava a virem conhecer e verem que não era como pensavam. Sempre tentei passar a melhor imagem da sociedade brasileira. Claro que eu não mentia, mas como existe em outros lugares. Como em alguns países europeus o índice de violência beira o zero, qualquer notícia tem muito impacto.
CF: O que você pode falar para quem deseja conhecer algum dos países por onde você passou?
AC:
A Islândia é um país lindo. É um vôo rápido de Londres para lá, tem
muitos turistas ingleses. Tanto a Islândia quanto a Escócia têm
paisagens muito verdes. Sobre a (paisagem) da Grécia eu nem preciso
falar, mas é importante dizer que os gregos têm um azeite e um vinho
muito bons. Falando sobre a Grécia ainda, gostava muito de comer a
Musacca, que é uma lasanha de berinjela. São porções pequenas nos
restaurantes de lá, então você acaba experimentando muita coisa.
CF: E para a gente terminar, alguma história que tenha te marcado...
AC: Na Islândia, por ser uma ilha, ter o espírito de comunidade que eu falei e todo mundo pescar, eles diziam que eu não precisava fazer isso. Era só eu pedir para alguém, que traziam de graça, até mesmo o companheiro de clube. O salmão e o bacalhau, sem sal, por exemplo, são muito bons.
Contato: fiusa.caio@gmail.com
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