sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Entrevista: Lucas Piasentin

O zagueiro quer ficar em Belgrado
até o fim do contrato./Foto: fkcukaricki.rs
Natural de Londrina, o zagueiro Lucas Piasentin fez os seus primeiros desarmes no clube da cidade, o Paraná Soccer Technical Center, popularmente chamado de PSTC, onde chegou em 1998. Os quatro anos na equipe o credenciaram a vestir as cores de um dos clubes da capital, o rubro negro Atlético Paranaense. Mas, em três anos de Furacão, o defensor não conseguiu ter muitas oportunidades e partiu para a sua jornada no mundo do futebol. Lucas rodou por equipes do Brasil antes de chegar a Portugal onde defendeu o União da Ilha da Madeira. Após uma temporada na terrinha o defensor acertou um contrato até 2017 com o FK Cukaricki, clube de Belgrado, capital da Sérvia, onde vem se destacando. Em entrevista ao blog do Caio Fiusa, Lucas Piasentin conta um pouco de sua trajetória, comenta a rivalidade entre sérvios e croatas e revela porque deseja permanecer em seu clube atual.

Caio Fiusa: Você chegou ao Atlético/PR em 2003, com 17 anos. Geralmente nessa idade, o jogador já passou por um longo processo de formação e os clubes esperam que o jogador já esteja quase pronto para ser lançado no profissional. O que o Atlético/PR acrescentou ao seu futebol?

Lucas Piasentin: O Atlético/PR me ensinou principalmente posicionamento e como sair jogando, a não dar chutões para frente. No primeiro ano de clube joguei somente pelas categorias de base. No segundo, já comecei a ingressar no profissional B, mas ao mesmo tempo jogava pela base sempre que precisavam.

CF: E por ter aprendido a sair jogando sem dar chutões, chegou a atuar como primeiro volante?
 
LP: Em jogos não, as vezes em alguns treinamentos. Eu não gosto de jogar de costas para o campo e também como raramente treino nessa posição, o treinador não tem a confiança para testar no jogo.


CF: E o que faltou pra você ter uma sequência maior no CAP? Sair de lá foi uma opção sua?

LP: Nunca tive uma oportunidade no profissional do clube. Eu sempre fui titular na base, em todas as categorias, e em raras ocasiões perdemos algum campeonato. A minha saída aconteceu porque o meu contrato estava chegando ao fim e o ex-coordenador da base assumiu a do Fortaleza. Ele me fez o convite para jogar lá. Conversei com o coordenador do Atlético/PR e chegamos a um acordo que foi bom para todos.

CF: Aí depois do Fortaleza, você rodou por alguns clubes e chegou ao União, de Portugal. Você acha que por contar com muitos brasileiros, o futebol de lá acaba sendo um pouco parecido com o daqui?

LP: Lembra um pouco mas tem as suas diferenças. Os brasileiros acabam se adaptando ao estilo português, com isso, perdem um pouco das suas características. Acho que no Brasil se joga de forma única, que não tem como comparar ao estilo europeu.

CF: Qual a principal diferença na sua opinião?

LP: São várias, mas pra mim, no Brasil, muitos jogadores jogam individualmente e não ajudam os companheiros na parte defensiva. Na europa não. Voce vê todos se ajudando tanto no ataque como na defesa. Aqui o jogo não tem tantos dribles. É um jogo mais objetivo e com tabelas. Eu não vejo isso no Brasil.

CF: A gente vê muitos comentários e até dúvidas na imprensa e com os torcedores, a respeito do treinamento físico. Vários jogadores que no Brasil que são mais franzinos, ganham massa muscular rapidamente na Europa. Isso fica mais evidente no caso de meias e atacantes, como o Giuliano, que jogou na Ucrânia e agora está no Grêmio, o Robinho e o Pato. É nítida a mudança no corpo desses jogadores...Aconteceu isso com você também? Percebeu alguma mudança no seu corpo? Como é o treinamento físico europeu?
O acanhado Čukarički Stadion tem capacidade para
5 mil pessoas./  Foto: mozzartsport.com
LP: Achei um pouco mais intenso na parte de força. Eles dão muita ênfase nisso, tentam levar lado a lado tanto a parte da resistência quanto a de força. O futebol aqui é muito mais contato e os árbitros apitam de uma outra forma. A obediência tática na Europa é fundamental também. Eles dão muito valor a isso e ao jogo agressivo na bola. Muitos jogadores enfrentam essa dificuldade na adaptação.

CF: Até falando sobre arbitragem, e aproveitando para entrar no futebol sérvio..Eu vi que pelo União você jogou 37 jogos e levou 18 amarelos. Já no FK Cukaricki foram 27 jogos e só 2 amarelos. A que você atribui essa diferença nos números?

LP: (Risos) Em Portugal realmente eu tive um excesso de cartões por não saber como funcionava o estilo europeu. As vezes eu cometia uma falta e jogava a bola para cima para ganhar algum tempo. No Brasil é normal, já em Portugal e aqui na Sérvia, se você faz isso, recebe o amarelo. Atribuo essa diferença gritante à minha adaptação. Não sou um jogador violento e não recebo muitos cartões.

CF: No União você marcou 3 gols e no Cukaricki foram 2. Acredito que foram em jogadas de bola parada, certo? É um ponto mais explorado que no Brasil, as jogadas de bola parada?
  
LP: Isso, nos dois clubes os gols foram de cabeça, com a bola vindo de faltas laterais ou escanteios.
Muitos jogos são definidos em bolas paradas. Pela obediência tática que os europeus têm, as bolas paradas passam a ser mais que uma simples oportunidade de gol, as vezes são a única forma de marcar um gol. Eles sabem disso e dão muito valor.

CF: E no seu caso é somente no cabeceio ou assim como alguns zagueiros você também cobra faltas?
  
LP: Eu treino. Tenho um chute forte e tento marcar de longa distância. Todo campeonato aqui na Sérvia eles fazem uma medição de quem tem o chute mais forte. O meu já chegou a 121 km/h, mas não fui o campeão. 

CF: Sobre o clube, a temporada foi de retorno à elite e vocês conseguiram ficar em quinto lugar, a um ponto do Vojvodina, time que conseguiu vaga para a fase eliminatória da Liga Europa. Por vir da Segunda Divisão, esse resultado superou as expectativas do clube, diretoria, jogadores e torcida?

LP: Infelizmente não conseguimos a vaga para a Liga Europa, mas para a primeira temporada que retornamos a elite foi uma classificação satisfatória. Quase ninguém acreditava que conseguiríamos nos manter na elite. Nós jogadores, junto com a diretoria e os verdadeiros torcedores, acreditávamos que seríamos capazes de chegar na Liga Europa e quase conquistamos o nosso objetivo.

CF: E o que faltou pra garantir esses 2 pontos que dariam a classificação?

LP: Um pouco de sorte e um pouco de experiência também. Acredito que todos do clube ficaram contentes com a nossa classificação, nessa próxima temporada brigaremos de novo pela vaga na Liga Europa.

CF:
Você acha que isso é o máximo que um clube pode sonhar na Sérvia? Já que o título é monopolizado pelo Partizan e Estrela Vermelha e ambos ficam com as vagas na Liga dos Campeões?

LP: A princípio sim, mas o Čukarički está trabalhando em alguns projetos para poder ser um dos maiores clubes da Sérvia e entrar nessa disputa pelo título junto ao Partizan e o Estrela Vermelha. Espero que em um futuro próximo consigamos brigar de igual para igual com eles.

CF: Falando sobre esse ''dentro de campo'' que você disse. O clube é formado praticamente por sérvios. Atrapalha na comunicação? Eu sei que a linguagem do futebol é universal, mas como vocês fazem para se entender?


LP: No Čukarički ate o momento só tem eu de estrangeiro e dois que são de Montenegro, mas eles falam a mesma língua. Eu me comunico em inglês, já que muitos jogadores e a comissão técnica falam. Eu também tenho aprendido um pouco de sérvio. Esse é um dos motivos pelo qual eu gostei daqui. Eu e a minha família conseguimos nos comunicar com as pessoas. Não é somente no clube que falam inglês.

CF: Aprendeu até mesmo o alfabeto cirílico sérvio?
 
LP: Eu consigo ler qualquer coisa e até consigo pronunciar corretamente, mas não sei o significado das palavras ainda. Algumas coisas básicas eu já aprendi.


CF: Qual a peculiaridade do futebol sérvio? 

LP: A altura dos jogadores. Eu tenho 1.93 e no Brasil e em Portugal era difícil encontrar muitos jogadores altos. Aqui é muito dificil encontrar jogadores baixos (risos). Outra pecularidade é a velocidade dos jogadores, além da forca física.

CF: Você já recebeu alguma proposta? Pretende ficar aí? Como está a sua situação?

LP: Sobre propostas eu não sei, até mim não chegou nada. Eu gostei muito daqui. Quero ficar o máximo de tempo possível. A minha familia se adaptou bem e criei um vínculo com o clube muito bacana. Estou muito feliz.

CF: Na Libertadores desse ano, tivemos um caso de racismo com o Tinga, volante do Cruzeiro, que repercutiu bastante. Você já presenciou algo semelhante aí na Sérvia?

LP: Eu soube disso e infelizmente ainda acontece no futebol. Aqui não presenciei nada parecido, até porque, se houvesse alguma ofensa a alguém, eu não entenderia.

CF: Eu queria que você comentasse o comportamento do torcedor sérvio.
 
LP: Os torcedores são muito fanáticos! Tivemos um episódio em um jogo que houve confronto, cadeiras da arquibancada sendo arrancadas e jogadas, por exemplo. A maior rivalidade fica entre Partizan e Estrela Vermelha. Eles têm os estádios próximos e acho que isso causa ainda mais brigas. Aqui eles podem levar bandeiras, cornetas, buzinas, bombas, para o estádio.

CF: E a rivalidade com os croatas? Acredito que os torcedores tenham ficado desolados com a eliminação da seleção para a Copa do Mundo do Brasil, ainda mais perdendo a vaga para a Croácia.
 
LP: Pelo que me disseram, os croatas têm muito mais rivalidade com os sérvios do que o contrário. Dizem que se você for visitar a Croácia em um carro com a placa daqui, é perigoso. Eles podem destruir seu carro dependendo da cidade que você for. Sobre a eliminação, eles ficaram muito chateados. Estávamos concentrados, assistindo juntos e me lembro até hoje a reação deles. Com certeza foi uma sensação horrível para eles e para mim foi de tristeza também, pois queria que eles conseguissem a classificação. Eles têm uma boa equipe e gostaria de vê-los na Copa.
Lucas recebeu um bolo personalizado do clube
no seu aniversário de 28 anos./ Foto: Arquivo Pessoal

CF: Chegou a jogar junto ou contra algum jogador da seleção?  

LP: Sim, alguns jogadores do Partizan e do Estrela Vermelha que participaram do amistoso contra o Brasil. Já joguei contra alguns deles durante o campeonato.

CF: Nesse tempo que está aí, alguma história que te marcou?
 
LP: Uma coisa que aconteceu que achei muito bacana foi no dia do meu aniversário. O clube fez um bolo super bonito personalizado e uma matéria no jornal me dando os parabéns. Achei bem legal e foi uma coisa que marcou pois nunca havia acontecido isso e acho difícil de acontecer. É tradicional também, o aniversariante levar bebidas e comidas no vestiário para o pessoal.

CF: O que você recomendaria de pontos turísticos e culinária para quem for conhecer a Sérvia, ou até mesmo só Belgrado (cidade do clube)?

LP: Os lugares são os parques. A cidade possui muitos parques verdes para passear e relaxar e tem a Igreja de Saint Sava, a maior catedral ortodóxica da Europa, que é muito bonita. Outro ponto turístico é o Kalemegdan, a antiga Fortaleza da cidade. Sobre a culinária, eu acho muito gostosa uma carne chamada Cevapcici.

Entrevista realizada via internet.
Colaboração: Matheus Laboissiere
Contato: fiusa.caio@gmail.com

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