sexta-feira, 24 de maio de 2013

Especial Futebol Alemão

Jovens talentosos são fruto da reformulação
nas categorias de base alemãs/ Arte: Mainara Assis
Neste sábado, Bayern de Munique e Borussia Dortmund decidem a Liga dos Campeões da Europa. Esta será a quarta vez que clubes do mesmo país fazem a final da competição e a primeira entre alemães. Para chegarem a esta partida, que acontecerá no estádio de Wembley, as equipes eliminaram Barcelona e Real Madri, os grandes favoritos ao título. O duelo alemão constata a evolução do futebol no país. Com investimentos nas categorias de base, a Alemanha colhe os frutos com uma safra de jogadores talentosos e se credencia como uma das grandes favoritas a conquista da Copa do Mundo de 2014, no Brasil. Abaixo você confere as entrevistas que o narrador e o comentarista do campeonato alemão nos canais ESPN, Rogério Vaughan e Gerd Wenzel, e o comentarista do site IG, Mário André Monteiro concederam ao blog do Caio Fiusa. Nelas, eles explicam a reformulação do futebol na Alemanha e analisam o pontos positivos da organização da Bundesliga, a liga principal.

Caio Fiusa: Quando, como e porque começou essa reformulação no futebol alemão?

Mário André Monteiro: A Alemanha viveu uma época de vacas magras desde a conquista da Copa do Mundo de 1990. No final da década 1990, a própria Federeção Alemã de Futebol criou alguns centros de treinamentos para revelar jogadores. Os clubes adotaram esse esquema. Então, a gente pode ver que esses novos jogadores regulam mais ou menos a mesma idade. Essa reformulação foi importante porque os clubes se conscientizaram e colocaram a Alemanha como favorita para a próxima Copa.

Gerd Wenzel:  Essa recomeço teve início em 2000, ano em que houve um fracasso da seleção alemã na Eurocopa, ficando em último lugar no grupo, com duas derrotas e um empate. A Federação Alemã de Futebol e a Bundesliga se reuniram para decidir o que fazer. Uma das medidas, talvez a principal, era a de que todos os times eram obrigados a ter a sua academia de futebol, com centro de treinamentos. Foi aí o ponto de partida para toda essa revolução.

CF: Tem diferença em narrar a Bundesliga, em relação aos outros campeonatos?

Rogério Vaughan: Total. Na Alemanha tem torcida. O torcedor faz questão de ficar em pé. Eles bebem e não tem nenhuma confusão. A gente foi transmitir o jogo entre Borussia e Real, deixou o carro no estacionamento e foi andando até o estádio, junto com aquela massa amarela. No meio da massa gritando com copos de cerveja na mão, tinham torcedores do Real Madri passando vestidos com a camisa do clube. E você não via nenhum tipo de ironia. Isso é um grande exemplo. Cultura e comportamento. Influencia inclusive no comportamento dos profissionais. Tudo é saudavel para o espetáculo. A torcida faz parte dela, acabou o jogo ela vai embora e segue a vida dela. No Brasil, você chega ao estádio preocupado.

CF: Percebeu um aumento da audiência do campeonato alemão?

Gerd Wenzel acredita que a organização financeira
da Bundesliga é um atrativo/ Foto: Divulgação ESPN
GW: Nós começamos a transmitir o campeonato em 1998, 1999. Eu lembro que nossa audiência ficava atrás da Premier League (Inglaterra), da Liga Espanhola e do Calcio (Itália). Logo depois da Copa de 2006, a coisa foi mudando de figura. Até porque, na Espanha se cristializou a disputa do título sempre entre Barcelona e Real Madri. Na Itália, houve uma decadência do futebol com escândalos de manipulação de resultados, racismo e estádios ultrapassados. A Itália perdeu uma grande oportunidade com a Copa em 1990 de renovar os seus estádios. E aí o que foi acontecendo? A Bundesliga foi tomando o lugar dessas ligas, ficando atrás apenas da Inglaterra, nos canais ESPN. Houve um aumento considerável da audiência.

MAM: No Brasil, até o ano passado nós tínhamos três emissoras transmitindo. Esse ano só teve a ESPN, então o brasileiro perdeu opções. Mas com o sucesso desses dois times e os brasileiros conhecendo melhor, deve crescer.

RV: Sempre houve um público cativo do futebol alemão no Brasil, seja pela colônia ou pelo futebol jogado. Mas esse público cresceu muito, por conta da Bundesliga ter se destacado entre as grandes competições, com altas médias de público. E também tem a organização. A Bundesliga é um evento para a família, por isso você vê muitas crianças e casais nos estádios. Naturalmente, o interesse vai aumentar. O campeonato alemão se tornou um grande porto seguro na Europa.

CF: De que maneira a Copa do Mundo em 2006, ajudou na evolução do futebol no país?

GW: Já se sabia que a Copa poderia ser na Alemanha. E qual era o pensamento? Nós não podemos passar vexame em casa, seja no ponto de vista estrutural, no da organização e muito menos no da seleção. Esse foi um dos grandes motivos para essa organização na seleção e no futebol alemão com novos objetivos.

MAM: Eu tinha muita preocupação em cima do comportamento, não só da seleção como da torcida, o orgulho dos torcedores. O Klinsmann, que era o técnico na época, conseguiu colocar um espírito vencedor, um sentimento patriota e os jogadores conseguiram fazer o time ir bem. De lá para cá, vem colecionando bons resultados apesar de nenhum título. Mas o orgulho em cima da seleção voltou, tanto para a Copa de 2014 quanto para Eurocopa em 2016, competições que esses jogadores vão chegar mais maduros.

RV: Conversando com o Paul Breitner, ele disse que o alemão leva tudo muito a sério. E o futebol também é. E eles aproveitaram a Copa do Mundo em 2006. Tudo isso é reflexo de um investimento na base e de contratações pontuais. Isso é fruto de um projeto de alguns anos. A Alemanha quis se abrir para o mundo e fez isso após a Copa. Hoje, é um futebol bonito e envolvente. O Bayern e o Borussia formam a base da seleção alemã, que em todas as Copas chega como uma das favoritas ao lado do Brasil, Argentina e Itália. Mas dessa vez, chega com favoritismo por causa do futebol apresentado. Hoje há quem diga que está um degrau acima da Espanha. 

CF: Uma das medidas para fortalecer a Bundesliga, foi o equilíbrio nas cotas de TV dadas aos clubes. Mesmo assim, o Bayern de Munique, que contrata muitos jogadores talentosos dos pequenos times, e o Borussia continuam um degrau acima dos outros, inclusive monopolizando a conquista do campeonato nos últimos três anos. É possível que isso se estenda ou existe algum clube capaz de se intrometer nessa briga particular?

RV: O Paul Breitner, quando esteve aqui, disse que o objetivo do Bayern é ultrapassar o Barcelona e se tornar o maior time do mundo. Essa contratação do Mario Gotze por exemplo, sem dúvida enfraquece o Borussia. Por ter muito dinheiro, o Bayern acaba sendo o predador, mas eu acho que eles vão resolver isso da melhor maneira possível. Mas acredito que essa polarização vai acontecer cada vez mais forte.

Para Mário André Monteiro, alemães não devem só
se contentar com as vagas europeias/ Foto: Arquivo Pessoal
MAM: Historicamente, o Bayern consegue contratar melhor dentro da Alemanha por ter mais dinheiro. A própria federação não permite que os clubes façam loucuras financeiras. O clube tem um determinado dinheiro guardado e não pode gastar mais do que ganha. Os clubes tem uma saúde financeira boa e nenhum deles é devedor. O Bayern contratou o Martínez na temporada passada e agora o Gotze porque tem condições para isso. É difícil falar que o Bayern vai monopolizar porque nas últimas cinco temporadas foram três campeões diferentes. Isso mostra o equilíbrio. A tendência é que o Bayern faça isso, por já ter um grande time e ter se reforçado, mas futebol é resolvido dentro de campo.

GW: É possível que aconteça. Dos 50 campeonatos da Bundesliga desde 1962/1963, o Bayern ganhou 22. Mas sempre apontam outros times. Em 2004, era o Werder Bremen, mas não deu continuidade. O mesmo aconteceu com o Stuttgart depois, que foi pior ainda. O mais importante é que o clube persiga o projeto. E foi o que o Borussia fez. É a mesma coisa que Schalke 04, Bayer Leverkusen e Hamburgo, só para citar os mais tradicionais, devem fazer. A questão não é ganhar um campeonato, mas se tornar grande. E o clube só se torna grande em primeiro lugar, investindo nos times de base. Depois, ter uma saúde financeira, não permitir que o dinheiro que você ganhe seja utilizado em especulação financeira, mas que seja aplicado no próprio clube. Se crescer, no caso do Borussia Dortmund que já é um projeto, vai ser um adversário a altura do Bayern de Munique nos próximos anos. O Bayern tem esse projeto há muito tempo e se outros clubes fizerem vão fazer frente aos dois.

CF: Qual o grande atrativo ou o diferencial do futebol alemão?

RV: O futebol apresentado, principalmente pelo do Borussia Dortmund, que é para frente. Isso chama atenção, inclusive da garotada. Os campeonatos europeus atraem muito os brasileiros. Os jogos são transmitidos nas TVs a cabo, mas o público não vê só isso. Ele vê a bola rolando em gramados impecáveis, organização, estádio lotado e festa da torcida. Então, cria uma expectativa e uma curiosidade que fazem as pessoas o acompanharem

GW: O grande atrativo em primeiro lugar é: o jogador quer saber não apenas quanto ele vai ganhar e se ele vai ganhar. Nós temos notícias de Ligas que não pagam em dia. O próprio Málaga, teve um problema sério. Na Alemanha, não importa o clube onde você esteja, no dia primeiro o dinheiro vai estar depositado na sua conta. A segunda questão é a que o jogador vai trabalhar em um campeonato extremamente organizado com estádios cheios. E qualquer jogador tem uma outra motivação com estádio cheio. A média é de 42 mil pessoas por jogo. A organização, o pagamento em dia, estádios cheios e todo o suporte que o clube dá aos jogadores atraem os estrangeiros. Agora com a chegada de Pep Guardiola, muitos jogadores vão se perguntar o porquê dele ir para a Alemanha. Ele vai ser uma isca para outros jogadores.

MAM: Tem um dado de 2002 que diz que 60% dos jogadores eram estrangeiros. Era um número muito alto. Desde então, os clubes passaram a investir mais em jogadores alemães e isso faz com que a torcida fique mais perto do clube e veja os jogadores mais de perto. O torcedor que viu o jogador crescer dentro do clube como o Thomas Muller, Mario Gotze, Toni Kroos, querem acompanhar eles crescendo no time profissional. Esses valores fazem com que a torcida acompanhe o clube. Além da estrutura que a Federação dá para os clubes. Hoje em dia os estádios são os mais modernos do mundo e a arrecadação dos clubes gira em torno do que é consumido dentro do estádio com produtos e merchandising.

CF: O futebol espanhol é considerado o ''futebol moderno'',vem de importante conquistas e tem dois dos principais clubes do mundo, assim como os dois melhores jogadores do mundo da atualidade. Mas, nas semifinais, dos quatro confrontos foram três goleadas alemãs. O futebol alemão está ultrapassando o espanhol?

GW: Eu não diria nesse momento que o futebol alemão é o melhor nessa época. Ele está em grande ascensão e vai ter que se firmar. Não está na hora de descartar o Barcelona, o Real Madri, o Manchester United. A Alemanha veio como uma grande força mas se vai continuar, só o tempo vai dizer. O Barcelona dominou e ainda domina, apesar de estar fora da Liga dos Campeões. Na Alemanha, além da habilidade dos jogadores alemães, eles alinham isso a um grande rigor físico, então talvez essa seja a grande novidade no futebol europeu: a habilidade técnica que é 50%, uma mudança iniciada em 2000, e 50% de aprimoramento físico. Além do mais, os jovens jogadores lançados em 2004,2005 e 2006 estão amadurecendo para conquistar um título internacional. O primeiro será neste sábado, independente de quem ganhe o jogo. E o segundo pode ser na Copa do Brasil em 2014. A Alemanha pode superar as outras forças do futebol mundial.

MAM: O futebol espanhol teve um momento mágico porque foi revolucionário. Mas os outros times entenderam esse jeito de jogar e começaram a fazer frente. Os jogadores ganhando experiência dentro dos clubes podem levar isso para a seleção, que bateu na trave nas Euro e na Copa. Eu espero e acredito que o futebol alemão possa fazer frente e tente buscar o título.

RV: Ninguém consegue se manter imbatível. Tem que ter uma renovação. Houve um predomínio espanhol e a Alemanha vinha se preparando com a base dela. Eu me refiro à seleção. Em 2010, Alemanha não estava na ponta dos cascos e a Espanha já vinha de um título de Eurocopa. Entre os clubes, a Alemanha cresceu muito, principalmente no coeficiente europeu. Hoje, ela ultrapassou a Itália e tem quatro vagas na Liga dos Campeões. Eu vi uma entrevista do presidente Javier Tebas, da Liga Espanhola, onde ele disse que os espanhóis tem que tomar como exemplo o campeonato alemão, porque os times são saudaveis financeiramente e não fazem loucuras. Isso vai resultar numa sequência muito boa para os times e para a seleção da Alemanha, por conta desses frutos que eles plantaram lá trás. 

CF: Recentemente a Alemanha reconquinstou uma vaga que dá classificação a Liga dos Campeões da Europa. Você considera isso um incentivo a mais para continuar crescendo ou um objetivo conquistado?

MAM: Considero um objetivo, porque a Alemanha já tinha essas quatro vagas. É importante manter para que o futebol interno continue crescendo. E não basta só ter quatro times na Liga dos Campeões e três na Liga Europa, é necessário ir bem. Na Liga dos Campeões, os três chegaram as fases finais. Os clubes não podem deixar essa peteca cair. É um objetivo para não só manter as quatro vagas, mas passar a Espanha e a Inglaterra no coeficiente na Uefa e ser a melhor liga no ranking.

GW: Foi um objetivo conquistado. O próximo é ultrapassar a própria Inglaterra. Se você olhar o ranking, a Alemanha está coladinha. Em termos de vagas não vai fazer diferença nenhuma. É o objetivo ser a primeira colocada. Vai ser um embate muito difícil com a Inglaterra. Superar a Itália era um objetivo e foi conquistado e agora é a Inglaterra e depois a Espanha. O Paul Breitner deixou muito claro isso, que o objetivo é ser a melhor.

CF: O que o Brasil pode pegar de experiência com futebol alemão?

MAM: É difícil, mas esse modelo de categoria de base é o que falta no Brasil. Alguns clubes grandes não têm isso. Essa estruturação não só do profissional, mas da base também é importante para fazer algo parecido com o que é feito na Alemanha. E principalmente, os políticos que trabalham com o futebol se conscientizarem de que: futebol é política? É, é dinheiro, mas também é lazer e cultura. Então eles têm que fazer alguma coisa para tornarem os campeonatos mais atrativos e evitarem que os clubes fiquem endividados. E claro, tem que aprender muito com os grandes países europeus. Aprendendo é o primeiro passo, porque matéria prima o Brasil tem de sobra e fazendo isso, pode monopolizar o futebol tranquilamente. 

Rogério Vaughan acredita que o Bayern é o
favorito para a grande final/ Foto: Divulgação ESPN
RV: Comprometimento, seriedade. O Brasil tem dinheiro, tem jogadores que brotam todos os anos com talento. O que falta no Brasil é seriedade e comprometimento. Na Alemanha, eles são compromissados. Em casos isolados ocorre corrupção, mas no caso do Brasil isso está enraizado na cultura brasileira e junto a isso a impunidade. O Brasil vive uma situação privilegiada em relação até mesmo a países europeus. Falta planejamento. Continuamos a ser o país do jeitinho, da improvisação. Estamos às vésperas de uma Copa do Mundo e o país como está? Muitos projetos de mobilidade urbana para melhorar o país foram cancelados. Temos casos de corrupção, superfaturamento, todos esses detalhes que fazem parte da cultura brasileira servem como atraso, não só para o futebol, mas para o país em geral.

GW: Você precisa saber se os dirigentes querem aprender. Existe uma corrupção inerente ao futebol brasileiro. Existe um apetite para se fazer grandes projetos e grande empreenteiras. Não há nenhum interesse em fazer estádios baratos, quanto mais caro melhor, porque aí todo mundo pode ter a sua participação. É preciso haver uma mudança de mentalidade no futebol brasileiro, seja na organização, ou na administração dos clubes ou das federações. Enquanto não mudar, não teremos estádios baratos, muito mais caros do que os construídos na Alemanha. 

CF: Para o jogo deste sábado, tem favorito?

GW: Não tem favorito. Estou desconfiado de que esse jogo possa ser decidido em um pequeno detalhe. Se tem um time que sabe enfrentar o Bayern de Munique, é o Borussia Dortmund. Nos últimos seis jogos pela Bundesliga, foram quatro vitórias do Borussia e dois empates. O Bayern ganhou na Copa da Alemanha e ficou por conta disso.Vai ser um jogo muito equilibrado. Quem pode fazer a diferença são um dos craques, como o Ribery, que está em espetacular forma. Do lado do Borussia, o Marco Reus, que hoje desponta como o maior talento da equipe.
  
RV: O Bayern é favorito, mas o Borussia pode desequilibrar. O Bayern chegou em duas finais e está com esse trauma. Em 2010 tudo bem, mas ano passado perder em casa pro Chelsea...essa ferida ainda está aberta. Se tem um time que pode desestruturar o Bayern é o Borussia. Na história recente dos confrontos ele atrapalhou muito o Bayern. O Bayern está com essa pressão de bater na trave novamente. Se o Borussia fizer 1x0, isso vai pesar muito. As outras finais inevitavelmente vão servir como pressão para os jogadores.

Entrevistas realizadas entre os dias 18 e 21/05/2013 por telefone.
Contato: fiusa.caio@gmail.com

domingo, 12 de maio de 2013

Entrevista: Planta e Raiz

Novo trabalho do Planta e Raiz, do vocalista
Zeider Pires (ao centro) é um projeto duplo/ Foto: Divulgação

Com 15 anos de carreira, a banda de reggae Planta e Raiz está lançando seu oitavo CD intitulado Bora Viver/ De Sol a Sol. Apesar das mais de 500 mil cópias vendidas co todos os álbuns, o vocalista Zeider Pires, acredita que o ritmo ainda tem muito a crescer. Abaixo você confere a entrevista completa que ele concedeu ao blog do Caio Fiusa. Nela, Zeider comenta a situação atual do Reggae no Brasil, critica a ausência de algum representante do estilo musical no Rock in Rio e fala sobre preconceito.

Caio Fiusa: Como você vê o reggae hoje no Brasil?

Zeider Pires: O Reggae está crescendo muito, as bandas estão se profissionalizando, fazendo os trabalhos com a melhor qualidade possível. As mídias estão começando a notar que não é um estilo que só fala de droga e coisas nada a ver, mas sim da libertação, do espírito do homem e de Deus. As pessoas estão começando a assimilar agora. Então, daqui pra frente vai crescer cada vez mais.

CF: Esse sábado foram comemorados 32 anos da morte de Bob Marley. Qual a importância dele para quem curte o Reggae?

ZP: A morte dele, tão jovem ainda, com 36 anos, ao mesmo tempo que interrompeu uma vida, deixou um legado riquíssimo para os outros. São várias mensagens. Os olhos do mundo inteiro se voltaram para a Jamaica. Ele foi um divisor de águas. A partir disso, todo mundo valorizou a arte, mas ao mesmo tempo foi uma perda irreparável.

CF: Você acha que é possível surgir outro fenômeno no Reggae como Bob Marley?

ZP: Acredito que sim, mas enquanto as pessoas focarem no parâmetro, no padrão Bob Marley não vão conseguir. Bob Marley foi só um. Existem várias bandas muito boas pelo mundo. O que dificulta é mais o lance da mídia mesmo, em popularizar, botar para tocar em rádio. É um som massificado no mundo inteiro, mas não tem uma popularização regional. Nas regiões, o Reggae é mais underground, mas se juntar o que rola em todo o mundo, fica um negócio muito grande. Existem vários paradoxos aí. No próprio Brasil, temos bandas muito grandes como Natiruts e Ponto de Equilíbrio, o Cidade Negra bombou e foi uma das maiores nos anos 90 e tem o SOJA representando no mundo também.

CF: Você citou o SOJA, que hoje talvez seja uma das maiores bandas de Reggae. Você acha que eles podem elevar o Reggae a outro patamar?

ZP: Acho que eles têm a vantagem de cantarem em inglês, terem crescido em uma estrutura maneira. A cultura americana insere a música desde o começo. Quem quiser ser músico, vai ser. Tem essa vantagem de ser primeiro mundo, mas vejo que o movimento não para de crescer e isso não é em decorrência só deles. Todas as bandas que estão lutando, estão sendo o alicerce para trazer o reggae para cima.

 CF: Você falou sobre a mídia. Ela atrapalha ou ajuda?

ZP: Quem faz o Reggae, faz porque ama. Quem vai aos shows, cola com a gente, vai porque ama. Acho que a mídia atrapalha com as músicas banais e sujas e atrapalha também o reggae em si, porque desvia o foco da molecada.

CF: E a questão das drogas? O Reggae ainda sofre muito preconceito?

ZP: Preconceito é de quem não tem informação. Quem escuta a música e presta atenção, vê que é algo muito maior, se comunica com todo tipo de gente. O Reggae fala com aquele cara que está procurando um caminho, com um pai que quer educar o filho, a galera tem que parar para pensar antes de sair falando.

CF: Falando sobre preconceito ainda, existe algum com a galera que curte o surf music, por exemplo, ou até mesmo algum outro?

ZP: Mano, acho que toda tribo tem um momento de ser radical. Aquela hora que a pessoa diz: eu curto reggae, não vou ouvir samba. Isso é imaturidade das pessoas. Uma hora as pessoas crescem e vão ver o que é música boa e o que é ruim.

CF: Queria que você falasse agora do novo CD...

ZP: Esse disco foi gravado em nosso próprio estúdio, produzido por nós mesmos e mostra a nossa independência. Assumimos o comando da nave e estamos dando continuidade. O disco é bem abrangente, pega várias vertentes, tem tudo para o público. A evolução é isso, abrir a mente. Somos brasileiros e temos vários ritmos, então pegamos o Reggae e juntamos com os sons que a galera curte.

CF: Na música Cante a paz, vocês fazem uma crítica social, a respeito da violência. Acha que a música perdeu isso?

ZP: Acho que não. São momentos que você vivi e se depara. Não dá para você ficar toda hora falando do mesmo assunto, vai soar estranho. No caso dessa música que eu compûs em 2000, eu tinha chegado do ensaio e estava rolando umas imagens de guerra na televisão. Aí eu comecei a chorar de raiva, peguei o violão e fiz. É questão de momento, tem hora que você está amando e vai falar de amor. Não pode ter barreira para o que vai ser comunicado. Não importa se você sente amor, importa se ela é verdadeira.

CF: Você fez uma parceria com o Chorão, do Charlie Brown Jr, em Gueto do Universo. Como estava a relação de vocês antes da morte dele?

ZP: A gente se trombava muito pela estrada e pelos camarins. Fazia tempo que a gente não se via, não se encontrava. Chorão era um grande cara. Infelizmente mais uma perda, mais uma história interrompida.

CF: O Rio de Janeiro vai receber este ano o Rock in Rio, um grande festival internacional e o reggae não está representado. O que pensa sobre isso?

ZP: Isso aí é maior panela. Esse Rock in Rio aí virou uma fábrica de dinheiro. É um negócio lindo e maravilhoso, mas infelizmente está vindo muito gente do pop. Isso foge do parâmetro do festival, mas tudo bem, a gente continua trabalhando e quem sabe um dia estaremos lá também.

CF: Para terminar, queria que você dissesse qual a peculiaridade do Reggae?

ZP: O Reggae é uma música que eleva, que vem para unir, para alertar e para libertar. Nunca você vai ouvir um reggae estimulando a violência, alguma coisa ruim. É uma música que traz as coisas boas para perto e fala de evolução.

Entrevista realizada quinta feira 09/05, por telefone
Contato: fiusa.caio@gmail.com