quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Entrevista: Alexandre Cerdeira

Persistente, atacante levou 10 anos para se formar
em Administração./Foto: Arquivo Pessoal
Aos 33 anos e atualmente sem clube, Alexandre Cerdeira é um caso raro no futebol. Profissional desde 2000, o atacante conseguiu juntar os estudos aos gols marcados ao redor do mundo. Formado em Administração pela Pontifícia Universidade Católica, do Rio de Janeiro, o jogador revela um pouco da sua trajetória que conta com passagens pelo desconhecido futebol islandês e por importantes clubes do cenário nacional. Abaixo você confere a entrevista exclusiva que Alexandre deu ao blog do Caio Fiusa.

Caio Fiusa: Você é formado em Administração e acredito que pertença a um pequeno grupo no futebol que conseguiu manter os estudos...

AC: Então, quando eu fui para a Europa eu sempre tive o pensamento de voltar para terminar a faculdade. Levei quase 10 anos para conseguir. Hoje, eu acho que isso está mudando. Os jogadores estão procurando se profissionalizarem fora de campo. Existem mais opções de faculdades, até mesmo ensino a distância, que para o jogador é essencial. O jogadores têm a imagem de ''burro'', mas são pessoas muito inteligentes. Não é justo o cara ter que abandonar os estudos para seguir no futebol. Os clubes têm de saber lidar com a questão da idade. Por isso que, às vezes, o jovem prefere o lado do estudo por considerar uma carreira ''mais séria''. O futebol ainda é visto como algo marginal. Não é e não precisa ser. 

CF: E como foi o seu início no futebol?

AC: Para você se tornar profissional, normalmente você começa a jogar muito cedo. Não é uma regra. Eu comecei com 8 anos. E nas categorias de base o profissionalismo se mistura com a diversão. Mas eu consegui terminar meus estudos, chegar a faculdade que é muito difícil por conta do calendário. Chegou uma hora que tive que parar a faculdade, quando fui jogar fora do país. Foi um período difícil para conciliar mas valeu a pena. É o que eu vou levar para minha vida no pós carreira. Fiz toda a minha base no São Cristóvão. 

CF: Você jogou no São Cristóvão pouco tempo depois de o Ronaldo ter saído de lá. Ele era uma referência para os garotos?

AC: O Ronaldo foi um caso especial, um ponto fora da curva. Ele saiu do São Cristóvão sem ter ficado tanto tempo lá. Apesar de ter aquela frase ''Aqui nasceu o fenômeno'', ele não chegou a ser uma referência dentro do clube. Não deu tempo dele construir uma carreira. O Ronaldo vai ser sempre uma referência pelo jogador que ele foi. 

CF: E alguma vez houve alguma comparação, por vocês dois serem atacantes, começarem no São Cristóvão?

AC: Eu já tinha uma experiência fora do país. Joguei por um tempo no Boa Vista de Portugal, clube onde o meu pai também jogou. Do Boa Vista eu fui convidado para jogar no Sporting Lisboa. Uma vez um empresário me ofereceu ao PSV. Isso foi em 1998. E aí fomos conversar com Bobby Robson, que tinha treinado o Ronaldo no Barcelona e estava de volta ao PSV. Eles estavam em Lisboa para um jogo contra o Benfica. Quando nós fomos apresentados, ele comentou ''Será um possível novo Ronaldo?''. Mas tudo na brincadeira. Afinal, eles tiveram uma sequência boa com Romário e Ronaldo. O negócio não foi para frente por questões contratuais, mas a conversa foi bem interessante.

CF: Você teve uma passagem rápida pelo Vasco em 2000. Queria que você falasse um pouco do tempo em São Januário.

AC: Eu cheguei ao Vasco na época da Copa João Havelange. Era junior no São Cristóvão e me profissionalizei em São Januário. E como no clube tinham muitos atacantes bons como Romário, Edmundo, Viola, Euller, além dos que estavam subindo da base, acabei voltando ao São Cristóvão para jogar a competição.

CF: Após a curta passagem pelo Vasco e também pelo Boa Vista, de Portugal você mais uma vez tem um clube português na carreira: a Portuguesa. Mas, no final do ano de 2002, a Lusa foi rebaixada pela primeira vez em sua história no Campeonato Brasileiro. O que aconteceu?

AC: A Portuguesa é um clube que, de uns anos para cá, criou-se o rótulo de um clube pequeno. Mas eu vejo como um clube muito tradicional, forte politicamente, que consegue sobreviver com seus associados e patrocínio dos próprios associados. Tem os seus momentos de baixa, mas é muito importante no cenário nacional. Tive uma experiência muito boa, a primeira fora do Rio, que me deu a oportunidade de ter contato com a colônia portuguesa que é a minha também e acabou servindo de trampolim para a Europa. Na época, o clube vivia uma crise política. Quando a parte política começa a interferir muito, reflete no que está acontecendo no campo. E nesse mesmo ano, o clube foi campeão da Taça São Paulo de Juniores, então tinham jovens muito bons que não tiveram as oportunidades no momento certo.

CF: Você disse que o elenco tinha muitos garotos e você mesmo era jovem ainda. Você acha que o rebaixamento pode ter queimado os jogadores?

AC: Queimado não, mas desvaloriza. Se o clube não tivesse caído, os jovens teriam mais oportunidades. Eu mesmo depois disso saí do país. Claro que foi uma oportunidade boa para mim, mas de repente se a Portuguesa não tivesse caído eu poderia ter feito uma carreira no Brasil mais longa. 

CF: E aí, logo depois da sua experiência fora do Rio, você acertou com o Apollon, da Grécia. Como foi sua passagem por lá?

AC: Depois da Portuguesa, fui a Portugal tirar o passaporte e tive um convite para jogar na Grécia. Na época tinham muitos brasileiros, inclusive o técnico Eduardo Amorim. Eu me surpreendi com o país. Consegui aprender a língua também. Sempre tive essa questão do estudo junto. Consegui juntar os brasileiros e formar um grupo de estudos lá para aprender a língua. Apesar da fama que os gregos contraíram depois da crise financeira, eu nunca tive problema contratual, foi tudo sempre cumprido conforme o combinado. A experiência foi boa, conseguimos subir o clube para a Primeira Divisão.

CF: Logo depois de você sair do Apollon, a Grécia foi campeã da Eurocopa de 2004. Existia alguma expectativa do povo para a competição?

AC: Não existia expectativa nenhuma. Existia só para receber as Olimpíadas. Só o fato de terem se classificado para a Eurocopa já era um ponto positivo, mas o título surpreendeu o mundo e o próprio país.

CF: Ainda acompanha o futebol grego?

AC: Falo com os meus amigos, acompanham por eles mesmo. O Apollon ficou um tempo na Primeira Divisão e depois caiu, também por problemas financeiros. A Grécia é um lugar onde os torcedores são muito apaixonados. Eles continuam indo aos estádios e as rivalidades continuam sendo exploradas. Enquanto isso existir, o campeonato grego vai ser um sucesso dentro do país. Tanto que a seleção está classificada para a Copa.

CF: Através de vídeos na internet dá para ver que os gregos são muito fanáticos pelos clubes, isso vale também para o basquete. O futebol é o primeiro esporte na Grécia, assim como é no Brasil?

AC: Acredito que seja. Eles gostam muito de basquete também. Os torcedores são presentes, fazem muita pressão, principalmente quando o clube perde. Eles fazem muitas festas também, costumam levar sinalizadores, fica bem bonito.

CF: Sobre o futebol e mais especificamente a seleção, a Grécia é famosa pelo estilo defensivo. Você sentia isso nos clubes?

AC: Eu acho que essa cultura começou por causa do título de 2004. Eles claramente tinham no campeonato um posicionamento mais defensivo, que funcionou. A partir do momento que dá certo para um país que até então não havia conquistado um título expressivo, aquela cultura passa a predominar. Não sei se os clubes refletem essas estratégias. Acho que não. Depende muito de contra quem se joga. Se o Olympiacos for jogar contra uma equipe pequena, não vai ter essa postura. Talvez a seleção jogue assim ainda por ter dado certo antes.

CF: Você também atuou pelo Dundee, da Escócia e atualmente, fala-se muito na mudança da dupla Celtic e Rangers, gigantes locais, do campeonato escocês para o inglês. Você acha que daria certo?

Para Alexandre, campeonato escocês seria prejudicado com
saída de Celtic e Rangers./ Foto: Arquivo Pessoal
AC: Eu, particularmente, acho que sim. É complicado por uma questão regional, pelas desavenças entre Inglaterra e Escócia. Celtic e Rangers estão muito acima dos demais. Ao mesmo tempo alimenta o próprio campeonato escocês. Se os dois saírem, a competição fica muito prejudicada. Até por questões nacionalistas, eu acho que tanto Celtic quanto Rangers não fazem força para essa mudança.

CF: Com exceção dos dois grandes campeões, o campeonato é nivelado?

AC: Todos os outros clubes, dependendo do ano, pertencem ao mesmo nível. É um campeonato muito interessante, por estar próximo da Inglaterra é bem visto, os clubes possuem boas estruturas...

CF: A gente sabe que no passado a Inglaterra sofreu muito com os atos dos hooligans e na Escócia existe uma das maiores rivalidades do futebol mundial entre Celtic e Rangers. Comoera essa questão da segurança por lá?

AC: Nessa época e até hoje eu acho, diminuiu bastante. Não vi nada. Pelo contrário, vi uma organização fantástica. Os jogos de Celtic e Rangers têm média de 50 mil torcedores e quando nós chegávamos no estádio não tinha ninguém. A gente descia para trocar de roupa, fazer aquecimento e quando voltava estava lotado. As pessoas entravam faltando 15, 20 minutos e a mesma coisa acontecia no fim do jogo. É um fluxo grande de pessoas muito bem organizado. Violência eu não vi, como tinha Grécia. Lá eles quebravam cadeiras, carros, marcavam brigas, ameaçavam jogador... Aquele jogo trágico entre Liverpool e Juventus em 1985 foi um marco.

CF: Queria que você falasse sobre o CFZ, clube pelo qual você teve duas passagens (2006-2007 e 2011-2012) e que tem um modelo de gestão empresarial.

AC: Não sei como está hoje, mas começou com uma proposta interessante. Na época era Rio de Janeiro e depois, acredito que por uma questão de marca mudou para CFZ. Era uma intenção do Zico montar um clube empresa, nos moldes que ele tinha visto fora. Acho que ele foi muito bem, mas infelizmente não conseguiu chegar na Primeira Divisão. Vejo ele com a escolinha Zico 10, com a oportunidade de disseminar uma proposta muito legal, atrelar a educação ao esporte. Hoje, o CFZ tem um papel mais formador, não só de jogadores, mas de pessoas que vivenciaram o futebol por algum tempo. Mesmo que a pessoa não venha a ser um jogador, ela vai ter o futebol como determinante na vida dela e isso gera mais um fã, um consumidor para o esporte.

CF: Em 2008 você acerta com o IBV, da Islândia. Conta um pouco sobre esse país tão desconhecido para nós que por pouco não se classificou para a Copa de 2014 (eliminada na repescagem para a Croácia). 

AC: Normalmente os jogadores islandeses têm bastante sucesso em outros países. Isso contando que o campeonato da Islândia dura 4 meses. É um país com 300 mil habitantes com complexos esportivos e campos de futebol fechados e climatizados para formar atletas, que mesmo no inverno eles continuam praticando. Lá reina o espírito de comunidade, as pessoas se ajudam muito, precisam dos mesmo serviços e compartilham tarefas. A mesma pessoa que trabalha no banco, no dia do jogo ele ajuda o clube vendendo ingresso. Não tem habitante suficiente para ocupar todas as funções. Todo mundo faz sua própria obra e mudança, por exemplo. O meu clube ficava em uma ilha pequenininha de 4 mil habitantes.

CF: O próprio nome do time (IBV é Ibróttabandalag Vestmannaeyja) é complicado. Você conseguiu aprender algo de islandês?

AC: Eu fiz um curso de islandês, na época eu aprendi o básico, mas não tanto quanto o grego. É legal para aprender algumas curiosidades. Hoje, na Grécia eu conseguiria me virar. O que me ajudou foi que eu sempre gostei de matemática, que usa as letras do alfabeto grego. Então são as letras da matemática fazendo sentido, compondo uma palavra. O meu estudo de grego foi importante porque lá, muitas pessoas não falam inglês. Na Islândia que foi muito complicado.   
CF: Voltando ao Reino Unido, mais recentemente, em 2012, você defendeu o Billericay Town FC, um clube que disputa uma liga regional que vale para o âmbito nacional. Eu queria saber a sua opinião sobre esse formato de competição.

AC: Principalmente falando em Campeonato Brasileiro, fala-se muito em acabar com os estaduais. Eu não concordo com isso porque é uma particularidade do Brasil. Cada país tem as suas particularidades e a Inglaterra conseguiu sucesso no seu campeonato, respeitando uma particularidade dela que são as regionalidades. Se a Inglaterra conseguiu isso, foi por causa de medidas x e isso não quer dizer que o Brasil tenha que fazer o mesmo. Precisa existir criatividade considerando as nossas características locais. Existem tantos clubes que precisam de receita e exposição que estão ficando de lado. Existem jogadores que precisam jogar. Futebol não é feito de primeira divisão. Quanto mais divisão você tiver, mais jogadores você vai descobrir, mais talentos você vai gerar e fomentar o esporte no país. A gente não pode matar os times de menor expressão, devemos dar condições a eles disputarem campeonatos rentáveis. Em São Paulo consegue-se fazer isso. O futebol não tem que ser milionário para ser bom.

CF: E qual ou quais você acha que são os problemas dos clubes brasileiros?

AC: Os clubes pecam por depender das cotas de televisão e do patrocinador master. Acho que o clube não precisa disso. Minha vontade é de, quem sabe um dia, eliminar o patrocinador master. Existem outras formas de conseguir receita. Isso se dá através de licenciamento. Quando os clubes tiverem suas marcas geridas para licenciarem produtos, vão ter um retorno muito maior. Hoje em dia, são tantos pedaços de patrocínios na camisa que o (patrocinador) master se perde ali. O que acontece é que a marca está sendo vendida na camisa. Com a exposição ela vende mais produtos ou mais serviços. Ora, se essa exposição gera mais venda de produtos e/ou serviços, porque não vender serviços e produtos do clube? Se é tão claro que é bom para uma empresa que a marca dela esteja na camisa do clube, porque não a marca do clube na camisa? Isso acontece porque ainda não existem produtos nem serviços atrelados.
  
CF: Queria que você fizesse um balanço da sua carreira, em ser no que nós chamamos no futebol de ''andarilho''.

AC: É bom porque eu pude conhecer várias culturas e o ponto negativo é não ter uma identificação maior com algum clube. Mas, dentro da minha proposta, que era justamente conhecer lugares bacanas, eu acho que fui muito bem sucedido. Eu ainda pretendo ou conhecer um novo lugar ou voltar para onde já estive, não sei. Ainda dá para eu jogar por muitos anos.

CF: Eu vi que você tem vídeos na internet. Hoje, os clubes levam isso em consideração na hora de fechar um contrato, é importante ter um?

AC: O You Tube nada mais é do que uma televisão gratuita. A gente sabe que o Neymar está jogando de uma forma no Barcelona sem ter ido lá ver. A gente vê os vídeos dele jogando lá. Eu vejo muita implicância, um olhar pejorativo com vídeo de jogadores, mas é que todo jogador tem imagens para mostrar, desde o mais famoso até o menos famoso. Os clubes levam a sério, mas não 100% na hora de contratar. Inicialmente, você precisa ter um material on-line para mostrar, convencer alguém a viajar para te ver.

CF: Sobre atuar fora do país, o que você pensa a respeito?

AC: Eu acho que o brasileiro merece ter essa experiência de jogar fora. Jogar em um outro país e ser reconhecido pelo que você faz, é muito bom. Agora, em que ponto cada um deve ir, depende de cada jogador. Eu sempre quis ir muito cedo, além de ter a facilidade do passaporte português, ninguém veio me buscar aqui e eu que fui para lá para também conhecer outras culturas. Eu sabia que isso ia enriquecer não só a minha carreira, mas também em mim como pessoa. O que eu vejo é que as propostas aparecem cada vez mais cedo e fica difícil para o jogador recusar.

CF: O que você levou do Brasil para os países por onde passou?

AC: As pessoas sempre perguntavam o que eu estava fazendo no país delas, elas têm a imagem de um país muito bonito. Mas, por outro lado, elas têm muito medo da criminalidade. O que eu passava a essas pessoas era que estavam certas quanto a beleza, mas não tanto em relação a violência. Eu dizia que o Brasil tinha passado por uma crise de violência mas que já não era tanto assim. Incentivava a virem conhecer e verem que não era como pensavam. Sempre tentei passar a melhor imagem da sociedade brasileira. Claro que eu não mentia, mas como existe em outros lugares. Como em alguns países europeus o índice de violência beira o zero, qualquer notícia tem muito impacto.

CF: O que você pode falar para quem deseja conhecer algum dos países por onde você passou?

AC: A Islândia é um país lindo. É um vôo rápido de Londres para lá, tem muitos turistas ingleses. Tanto a Islândia quanto a Escócia têm paisagens muito verdes. Sobre a (paisagem) da Grécia eu nem preciso falar, mas é importante dizer que os gregos têm um azeite e um vinho muito bons. Falando sobre a Grécia ainda, gostava muito de comer a Musacca, que é uma lasanha de berinjela. São porções pequenas nos restaurantes de lá, então você acaba experimentando muita coisa.
  
CF: E para a gente terminar, alguma história que tenha te marcado...

AC: Na Islândia, por ser uma ilha, ter o espírito de comunidade que eu falei e todo mundo pescar, eles diziam que eu não precisava fazer isso. Era só eu pedir para alguém, que traziam de graça, até mesmo o companheiro de clube. O salmão e o bacalhau, sem sal, por exemplo, são muito bons.

Contato: fiusa.caio@gmail.com

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Entrevista: Franklin Vicente

Emprestado ao Celje, Franklin se recupera
de grave lesão/ Foto: Leo Carahija


Uma grave lesão e 5 meses longe dos gramados. Emprestado pelo Olimpija Ljubjana ao Celje, ambos da Eslovênia, até o fim da temporada, em dezembro, para se recuperar de uma ruptura no músculo posterior da coxa direita, o atacante Franklin Vicente não deixa se abater. Aos 24 anos, o jogador está há 3 no país europeu onde enfrenta além da marcação dos adversários, o inverno rigoroso. Abaixo você confere na íntegra, a entrevista exclusiva que o atleta, revelado pelo Figueirense-SC deu ao blog do Caio Fiusa. Nela, Franklin conta um pouco sobre o futebol e a cultura de um país tão desconhecido para os brasileiros.

Caio Fiusa: Você está voltando agora de uma grave lesão. Como está se sentindo? Já está 100%?

Franklin Vicente: Depois dos dois últimos jogos, já estou me sentindo muito bem, mas ainda preciso recuperar a minha forma física. No primeiro jogo, depois da lesão, joguei 20 minutos, no segundo um tempo inteiro, no terceiro joguei 80 minutos e o último joguei o jogo todo. A confiança vai voltando com o tempo. Ainda não me sinto confiante para fazer algumas coisas, mas graças a Deus estou a cada dia melhor.

CF: Há 3 anos no país, você já disputou 77 partidas e marcou apenas 11 gols. Está satisfeito com essa média?

FV: Eu jogo mais como segundo atacante, pelos lados do campo. Não sou centroavante. Sempre tenho números maiores de assistências do que de gols, mas claro que quero fazer gols também. Como um profissional, eu sempre procuro melhorar. Quanto mais gols eu fizer, melhor para mim e para minha equipe.

CF: A maioria dos jogadores dos elencos de Olimpija e Celje é eslovena, diferente de outros países europeus onde é difícil você encontrar um jogador local no primeiro time. Você acha que essa predominância de eslovenos faz com que o futebol da equipe fique muito preso ao estilo de jogo esloveno?

FV: Eu acho que isso não muda muita coisa. O jogador estrangeiro vem pra cá para fazer o que o treinador quer. Os eslovenos gostam de jogadores talentosos que sejam de fora, mas ele tem que ser em primeiro lugar dedicados taticamente e depois ele vai mostrar o talento. Os 11 jogadores tem funções no ataque e na defesa, não existe essa de atacante não marcar. Então, não adianta você fazer dois gols por jogo e não ajudar a marcação. O jogo é bem intenso e o atleta corre o tempo inteiro.

CF: Você tem liberdade para mostrar e desenvolver as suas principais características?

FV: Eles me entendem e pedem para eu driblar, arriscar jogadas, mas quando temos que marcar eles exigem que eu marque assim como todos os outros.


CF: Na entrevista anterior, o Tom Gilio, que está na Bulgária, revelou que os próprios jogadores têm um certo preconceito contra estrangeiros e, principalmente, contra negros. Você já passou por alguma situação do tipo? 

FV: Olha, aqui na Eslovênia eu não percebo nenhum tipo de racismo contra estrangeiros, pelo contrário, somos muito bem tratados. Mas eu já fui ofendido 3 vezes aqui em partidas, todas elas no mesmo lugar. A torcida desse time era meio barra pesada também. Fora isso, eu tenho um vida bem tranquila em relaçao a esse tipo de preconceito.

CF: Futebol aí é paixão? Os torcedores tem aquele fanatismo? E eles são violentos?

FV: Fanáticos somente as torcidas do Maribor e do Olimpja, porque são os dois maiores times do pais. As dos outros clubes são normais, até porque aqui o futebol não é o esporte preferido deles. Então não é aquela paixão como no Brasil. E os casos de violência são entre torcida e polícia.

CF: Nos últimos 4 anos, o Maribor foi 3 vezes campeão e é o maior vencedor do campeonato nacional com 10 conquistas. Isso mostra que o campeonato é desequilibrado?

FV: Nao, o campeonato é muito disputado do começo ao fim. Apesar de o Maribor nos últimos anos ter um notório desempenho nas eliminatórias dos campeonatos europeus, eles têm dificuldade como todos os outros times de ponta do pais.

Maior dificuldade de Franklin foi o inverno esloveno./
Foto: Miha Koron
CF: O campeonato esloveno é recente devido ao fim da Iugoslávia. Por conta disso, é atrasado? Falta estrutura? 
FV: Em termos de estrutura nem todos tem tanto a oferecer, mas todos eles têm estrutura de time profissional. Os clubes são de longa data, a maioria já existia desde do tempo da Iugoslávia. O problema é mesmo que os eslovenos não são apaixonados como nós pelo futebol.

CF: Eu vi que os estádios são acanhados, com média de 16, 18 mil de capacidade. Mesmo assim a torcida comparece e faz deles pequenos caldeirões? 

FV: Os estádios são pequenos, o maior é o do Olimpija com capacidade para 22 mil.
A ocupação depende do jogo. Quando são clássicos, a torcida comparece. A festa fica mais para as organizadas, elas que têm os fiéis torcedores.  

CF: A Eslovênia esteve na última Copa, na África do Sul, em 2010. Você acha que isso fez com que houvesse um investimento nas categorias de base? Como está o futebol esloveno nesse sentido?

FV: Acho que o investimento na base ainda é muito precário. Precisa-se de muito mais para se manter em um alto nível.

CF: Diferente de muitos brasileiros, você tem um empresário estrangeiro, o croata Mirsad Keric. Estar com ele foi uma opção sua? E quanto tempo tem essa parceria? 

FV: Vão fazer 3 anos que estamos juntos. Ele me procurou e o interesse de me levar para fora do Brasil veio dele também. Eu sempre tive o sonho de jogar na Europa, então quando pintou uma oportunidade eu não pensei duas vezes.
CF: Você foi revelado pelo Figueirense, mas não chegou a brilhar com a camisa alvinegra. Você se arrepende de ter saído cedo do clube e não ter tido a oportunidade de mostrar mais o seu futebol?

FV: Foi ótimo ter sido relevado no Figueirense! Eu aprendi muito no tempo que eu fiquei no clube. Tive grandes treinadores em cada categoria que passei. Eu não me arrependo de ter saído e acho que cada um trilha seu caminho e segue o que acha melhor para sua carreira. Para mim foi uma ótima decisão, mas muitos não fariam essa troca. Quando eu decidi sair, o Figueirense passava por problemas e nós, jogadores formados no clube, fomos deixados de lado. O importante para um atleta é jogar, para estar em evidencia. Por isso decidi sair, porque naquele momento eu não teria a oportunidade de mostrar o meu futebol. 

CF: Figueirense esse ano disputa a série B do Brasileiro. Tem acompanhado os campeonatos, tanto a série A quanto a B?

FV: Vejo muito pouco a série A e a B eu não acompanho nada.

Atacante pretende ficar mais na Eslovênia e voltar ao
Brasil após a aposentadoria./Foto: siol.net
CF: Por ser uma ex-república iugoslava, existe muita rivalidade com os outros países como Croácia, Sérvia, por exemplo?

FV: Tem sim, não parece que um dia eles foram um mesmo país. A rivalidade entre eles nos esportes é uma coisa bem forte, porém saudável. Eles não se desrespeitam e nem se agridem.

CF: Eu acredito que seja uma cultura muito diferente da brasileira, não é?

FV: A cultura deles é totalmente diferente. Os eslovenos são pessoas mais fechadas e mais complicadas de se fazer amizade. Eu tive um pouco de dificuldade para me adaptar aos costumes e hábitos deles como almoçar muito tarde. A comida por exemplo não tem tempero nenhum. Você quase não vê pessoas reunidas para comerem ou saírem juntas. Também tem um pouco de falta de higiene em relação aos desodorantes. Muitas pessoas andam com um cheiro muito forte de suor, até mesmo algumas mulheres. Mas hoje já me adaptei e considero a Eslovênia minha segunda casa.

CF: Já que você tocou no assunto, qual foi a sua maior dificuldade de apaptação?

FV: O inverno é super rigoroso aqui, sofri muito no período. Além de ser difícil fazer qualquer coisa nessa época, principalmente treinar e jogar.

CF: A ilha de Bled na Eslovênia foi considerada a mais bonita do mundo. Além disso, o país é um dos primeiros a produzir comida orgânica. Já teve a oportunidade de visitar o lugar ou comer esse tipo de alimento? O que mais você visitou e pode destacar do país? 
  
FV: Eu visitei a ilha de Bled, que é um dos pontos turísticos mais bonitos. Fui à caverna de Postojna, à de Predijama e visitei o lago de Bohjn. Fui também a dois lugares muito bonitos que são Portoroz e Piran. Eu posso dizer que a Eslovênia é de uma belíssima natureza. O turismo é movido pelas belezas que a natureza oferece. Mas ainda não experimentei a comida orgânica.

CF: Resumindo todas as suas experiências na Eslovênia e claro, no futebol do país, acha que é vantajoso para o brasileiro tentar a sorte aí? Porquê? 

FV: Sim, é muito vantajoso porque o Euro é muito mais valorizado do que o Real e o custo de vida aqui é muito mais baixo do que no Brasil. Eu chego até a ficar assustado quando vou para o Brasil e vejo os valores de certas coisas. Sem falar que a condição de vida que a Europa oferece é bem melhor do que a oferecida no Brasil, em relaçao a saúde, educação, segurança e infrainstrutura. E ainda tem a taxa de desigualdade social que é quase zero.

CF: Você hoje está casado. Pretende construir a sua família na Eslovênia ou na Europa? 
 
FV: Pior que não. Mesmo com tudo que a Europa oferece eu sinto falta da minha família e dos meus amigos e também do Brasil.

CF: Mas pretende continuar aí ou voltar para o Brasil? 
 
FV: Sim, eu quero estar por aqui até eu parar de jogar. Depois quero voltar para o Brasil e me estabelecer o mais rápido possível.
  
CF: Alguma história para relembrar?

Maior objetivo do atacante é garantir o futuro da família.
/ Foto: Arquivo Pessoal
FV: Teve uma que aconteceu logo quando eu cheguei. Eu não sabia falar nada e tinha acabado de começar as aulas de esloveno. Aí um dia fomos almoçar juntos em um hotel antes de um jogo. Logo após a refeição, eu queria agradecer ao garçom por ter me servido. Um colega me disse que eu deveria dizer ''hvala barko''. Só que isso significa ''obrigado bigodudo'' e eu sem saber de nada e achando que estava falando corretamente, disse isso ao cara. Ele ficou me olhando com uma sem graça e todos do time não paravam de rir. Até que me explicaram o que eu tinha tinha dito e também explicaram ao garçom (risos). No final ficou tudo bem.

CF: Eu gostaria que você dissesse quais são seus objetivos a serem alcançados?

FV: Bom, meus objetivos não são muito diferentes dos outros jogadores. Eu quero jogar a Liga dos Campeões, Copa do Mundo, jogar em grandes clubes europeus. Mas o principal é, quando eu encerrar minha carreira, ter a consciência de que eu fiz tudo o que eu podia, sem nunca me omitir e, sem dúvidas, garantir uma vida digna à minha família, que sempre estiveram ao meu lado e merecem tudo de melhor. Resumindo, meu objetivo não é conquistar o mundo e nem ser o melhor, eu quero garantir o futuro das pessoas que eu amo, e ser feliz a cada dia com o futebol que é a minha paixão. Deus me deu um dom e a oportunidade de, através desse dom e do meu sonho, viver e dar alegria para os que apreciam o futebol. 

Entrevista realizada em 30/09/2013, pela internet.
Críticas, dúvidas e sugestões: fiusa.caio@gmail.com   

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Entrevista: Tom Gilio

Tom Gilio destaca sua versatilidade como fundamental
para o sucesso na Bulgária./Foto: lokomotiv.hit.bg
Continuando a série de entrevistas com jogadores brasileiros espalhados ao redor do mundo, o blog do Caio Fiusa desembarca na Bulgária. É lá que Tom Gilio, volante de 27 anos, joga desde 2008. Após passagens pelas categorias de base do São Paulo e Palmeiras, Tom foi revelado pelo Botafogo de Ribeirão Preto. Há cinco anos no país europeu, o jogador já autou pelo Lokomotiv Plovdiv, Minyor Pernik e atualmente defende o Lokomotiv Sofia, clube da capital. Em entrevista exclusiva, o volante conta curiosidades da cultura búlgara e do futebol local. Além disso, ele revela momentos obscuros do futebol como a violência e o preconceito.

Caio Fiusa: Quando chegou ao país teve muitos problemas na adaptação? Os búlgaros têm algum hábito curioso?

Tom Gilio: Não tive problema não. Só senti muita falta do arroz e feijão. Mas de resto é tranquilo. A comida aqui é a base de frango, porco e batata. Eles têm a tradição de comer salada e tomar ''pinga'' com gelo antes do prato principal.

CF: Porque acha que está há tanto tempo no país? Quais são suas principais características dentro de campo que o fazem ser reconhecido?

TG: Sou um segundo volante que sai para o jogo, mas já atuei até como atacante. Tenho facilidade de jogar em outras posições. O jogador brasileiro no geral tem essa facilidade, ainda mais se for do meio para frente. O futebol brasileiro é muito mais técnico e em um nível bem superior. Aqui é muita correria e força física.

CF: Há cinco anos no país e na terceira equipe búlgara, como você avalia o futebol local? É vantajoso financeiramente, por exemplo, para os brasileiros?

TG: A diferença entre as estruturas dos clubes é grande, em questão de estádio, campo para treinos e salário. Financeiramente depende porque o Brasil está em um momento muito bom, perde para poucos países nesse quesito. De 5 anos para cá, evoluiu muito. O futebol búlgaro é bom para estrangeiros porque eles são mais valorizados do que os que nasceram aqui. Mas já rolou preconceito por parte dos jogadores búlgaros por conta disso. Mas eu recomendo mais como uma porta de entrada para a Europa.

CF: Esse preconceito é somente com ofensas ou chega a agressões?
 
TG: Não chega a agressão, mas rola muita coisa na base da trairagem. É mais pelas costas porque os búlgaros são pipoqueiros. Eles não falam na cara. Acontece racismo mesmo, chamam de ''macaco'' e tudo. Eu como sou branco passo desapercebido e vejo isso acontecer.

CF: Essa violência se estende para as torcidas? Como é comportamento dos torcedores? São violentos?

TG: Sim, bastante. As torcidas marcam brigas pela internet, uns 50 contra 50 e o pau come. Uma vez pelo Lokomotiv Plovdiv, a torcida do rival, o Botev Plovdiv, queria me pegar em um supermercado. Mas não chegou a ter agressões, só xingamentos. Até agora foi a situação mais tensa que vivi.

CF: Fora isso, os torcedores acompanham seus clubes? Costumam ir aos jogos fora de casa?

TG: Depende do clube. Não são todos que têm torcida. Mas em geral acompanham até porque o país é pequeno, são 600 km de uma ponta a outra. As cidades são próximas.

Sem apoio do antigo empresário, o jogador diz que volta
ao Brasil é complicada./ Foto: Arquivo Pessoal
CF: Ainda sobre esse assunto, o Brasil passa por um fervor em torno da seleção muito pela mudança de postura com o Felipão no comando, a proximidade com a Copa e o título da Copa das Confederações. Na Bulgária, há essa paixão pela seleção? E existe algum jogador que seja a referência para o povo?

TG: Antes sim. Está voltando porque a Bulgária tem chances de ir para a repescagem das Eliminatórias da Copa. Sobre o jogador, é o Stoichkov sem dúvidas. O Berbatov não quis jogar mais pela seleção e isso deu uma queimada nele. 

CF: E o time atual tem alguma grande estrela?

TG: É mais o conjunto. O treinador Lyuboslav Penev é a estrela do momento. Ele arrumou o time só com a garotada, o mais velho deve ter 27 anos. 
 
CF: Já são cinco anos fora; tem vontade de voltar para o Brasil? 

TG: Tenho muita vontade, mas sem empresário fica difícil. Sai há muito tempo e ninguém me conhece mais. Preciso de um empresário para fazer o meio de campo. Deus sabe das coisas e se tiver que voltar, vou ficar feliz.

CF: Estar sem empresário foi uma escolha sua?

TG: Sim, também. Eu não estava tendo o apoio necessário da parte dele.

CF: Você mesmo disse que as pessoas no Brasil não lembram de você e todo jogador sonha em jogar pela seleção de seu país. Por conta disso e por estar há tanto tempo na Bulgária, não pensou em tentar uma naturalização para jogar pela seleção local?

TG: Se tudo der certo, em novembro pego o passaporte. Ainda não recebi, vamos depois. A seleção está fechada, difícil entrar alguém, ainda mais estrangeiro. 

CF: Falando agora sobre o futuro do futebol búlgaro, recentemente a França foi pela primeira vez campeã mundial sub-20. Como anda o futebol do país em relação a novos talentos?

TG: Deixa muito a desejar, por isso não revela jogadores. Falta estrutura na base, não há estímulo para o jovem jogador.

CF: Sobre a cultura búlgara, o que você aprendeu sobre a história do país? Algum ponto turístico a destacar? O que um turista brasileiro precisa saber e conhecer?

TG: A Bulgária é um país de muita história. Plovdiv é uma das cidades mais antigas da Europa. Algumas cidades búlgaras têm mais de 3 mil anos e estão preservadas. A cultura é muito rica.
A Bulgária gira em torno da capital Sófia, mas no verão o litoral recebe muitos turistas de outros países por ser bonito e de baixo custo. Isso acontece porque a moeda, a lev, é o equivalente a 2 euros. Além disso, o custo de vida também é baixo. E eu destacaria os museus de Sófia e as estações de esqui no inverno.

CF: E durante todo esse tempo quais foram os momentos mais marcantes, que você destacaria dentro e fora de campo?

TG: No futebol foi o gol que fiz no clássico Lokomotiv Plovdiv x Botev Plovdiv. O estádio estava lotado e eu tinha acabado de chegar ao clube. Teve o gol da semana retrasada (veja o vídeo ao lado) também que foi o mais bonito da minha carreira. Na vida foi o fato de ter vindo sozinho para um país bem diferente e sem falar inglês. Tive que me virar e a questão do inverno também. Já peguei 27 graus negativos.

CF: Sobre o seu futuro, quais são seus planos?

TG: Quero sair para um time melhor, fazer meu pé de meia e ficar tranquilo depois do futebol.

Entrevista realizada em 12/09/2013, pela internet
Críticas, dúvidas e sugestões: fiusa.caio@gmail.com

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Entrevista: Leo Itaperuna

Revelado pelo Fluminense, Léo chegou
ao Sion em 2012./ Foto: www.fc-sion.ch
O ano de 2007 guarda boas lembranças para o torcedor do Fluminense. Tudo porque neste ano, o Tricolor foi campeão da Copa do Brasil e deu uma reviravolta em sua história com sucessivas participações em Libertadores, dois títulos brasileiros e um carioca. Mas 2007 também foi especial para Léo Itaperuna. Formado na base do clube, o atacante, hoje com 24 anos foi lançado no time profissional por Renato Gaúcho e após problemas internos, rodou por equipes menores. Chegou ao Arapongas do Paraná e foi um dos artilheiros do campeonato estadual, despertando interesse do FC Sion, da Suíça, clube que defende desde 2012. Em entrevista exclusiva ao blog do Caio Fiusa, ele lembra da passagem do italiano Gennaro Gattuso pela equipe e comenta a relação dos torcedores suíços com o futebol.

Caio Fiusa: Eu queria que você começasse dizendo porque não conseguiu ficar mais tempo no Fluminense e acumulou empréstimos a outras equipes.

Léo Itaperuna: Comecei muito bem no profissional. Fui lançado pelo Renato Gaúcho, um dos melhores treinadores com quem já trabalhei, e cheguei a marcar um gol na minha primeira partida. Tiveram muitos desentendimentos entre a diretoria e o meu empresário, o que resultou nos meus empréstimos para outros clubes. Fora isso, aprendi bastante durante os muitos anos que fiquei no Fluminense e tenho vários amigos lá. Só tenho a agradecer ao clube.

CF: Depois do Fluminense, você rodou por vários clubes como América-RJ, Paulista, Cabofriense, CRAC-GO, Duque de Caxias-RJ, Anápolis e Arapongas-PR. Como foi parar no FC Sion? E o que tem achado do futebol suíço?

LI: Eu estava disputando o campeonato paranaense pelo Arapongas e fui um dos artilheiros com 10 gols. Um diretor do FC Sion foi a Curitiba ver um jogo, no qual eu fui bem e fiz um gol. Houve um contato entre os clubes e chegamos a um acordo. O futebol aqui não é como no Brasil, com aquela paixão, mas é técnico, tatico e de velocidade.

CF: A Suíça é um país que tem muitos imigrantes. Como lidou com tantas culturas diferentes?

LI: Aqui as culturas são bem diferentes, mas graças a Deus me adaptei rápido. No time titular do FC Sion só tem um suíço, mas isso é bom porque eu vou aprendendo um pouco de cada cultura de diferentes continentes. Tenho um ótimo relacionamento com todos. A grande vantagem é o convívio fora de campo. Toda semana tem almoço ou jantar com todos os jogadores e comissão técnica, o que faz aumentar a amizade.

Para Léo, prioridade dos clubes é a
Copa da Suíça./ Foto: Arquivo Pessoal
CF: E o que mais te chamou atenção na cultura suíça?

LI: O que mais me chamou atenção foi a forma como eles tratam os brasileiros. Quando gostam, convidam para suas casas e fazem de tudo para agradar.

CF: O que falta para o campeonato suíço atrair o público brasileiro?

LI: Eu penso que o campeonato suíço é muito desvalorizado. Não sei o porquê. Outros campeonatos que não são tão empolgantes, têm mais visibilidade. Mas aqui na Europa ele é reconhecido pelos outros países. Quem se destaca aqui, acaba jogando em grandes equipes de outros países. Sinceramente não sei o que falta para atrair a atenção dos canais esportivos brasileiros.

CF: O FC Sion tem apenas dois títulos nacionais e o último foi em 1996/1997. Há muita cobrança para quebrar esse jejum?

LI: Não tem muita cobrança por parte da torcida, mas sim pela dos dirigentes. O FC Sion tem um ótimo time e tem tradição. Em breve vamos conquistar um título e dar fim a esse jejum.

CF: Em compensação, o clube disputou doze finais da Copa da Suíça e venceu todas. A competição é encarada de forma diferente?

LI: Aqui eles dão muita importância à Copa da Suíça porque é o caminho mais curto para disputar a Europa League. Ano passado saímos na semifinal para o Basel, que é o time de maior investimento, mas esse ano brigaremos pelo título.

CF: Você chegou a trabalhar com o Gattuso, que foi jogador e técnico do FC Sion. Como foi a experiência?

Parceria com Gattuso rendeu muitos ensinamentos a Léo
dentro e fora de campo./ Foto: Arquivo Pessoal
LI: Gattuso é uma ótima pessoa e ótimo profissional. Tive o prazer de trabalhar com esse cara vencedor que sempre queria ganhar. Ele como treinador não era diferente, tinha a mesma luta e dedicação. Foi um super treinador e tenho certeza que será em breve um dos melhores do mundo. Aprendi muita coisa com ele e ouvi conselhos que vou levar para a vida toda.

CF: E o que você aprendeu?

LI: Taticamente aprendi muita coisa como uma simples movimentação, um toque na bola pode fazer toda diferença no jogo. Ele me dizia que o futebol é simples e a gente que inventa. Fora de campo aprendi a ser mais profissional nas horas livres, a me alimentar melhor, me cuidar melhor. São coisas que eu não fazia antes, mas graças a Deus a passagem dele me fez crescer profissionalmente.

CF: Atualmente, o Brasil tem no Neymar a principal esperança para a Copa do Mundo. Ele é o jogador que representa a seleção. Na seleção suíça também há esse jogador ou eles são fãs de nomes mais conhecidos como Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, por exemplo?

LI: Shaqiri. Esse é o grande nome da Suíça para a Copa do Mundo. O jogador do Bayern é técnico, rápido e finaliza bem. Ele fez uma boa partida contra o Brasil. Além dele, tem outros bons jogadores, mas o Shaqiri é a estrela. Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar são comentados e admirados aqui, mas a torcida se identifica mais com os jogadores da seleção suíça.

CF: Falando ainda sobre o Brasil, mas mais especificamente sobre o Fluminense, clube onde você foi revelado, costuma assistir aos jogos?

LI: Sempre assisto aos jogos do Fluminense e das outras equipes. Quando não consigo ver por causa do fuso horário, gravo e assisto depois. Estou sempre bem informado sobre o futebol brasileiro.

CF: Apesar do pouco tempo aí, já pensa em voltar? Recebeu alguma sondagem?


LI: Por enquanto não penso em voltar. Penso em seguir na Europa por mais um tempo, depois em retornar ao futebol brasileiro. Ando recebendo algumas sondagens e se a proposta for boa, retorno sem problemas.

CF: E para a gente terminar, queria que você dissesse qual foi o momento mais marcante desde que está na Suíça.

LI: Foi o meu gol de bicicleta que ganhou o mais bonito da Europa. (veja o vídeo acima)


Entrevista realizada em 12/09/2013, pela internet.
Críticas, dúvidas e sugestões: fiusa.caio@gmail.com

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Entrevista: Mandinho

Para Mandinho, futebol lituano é bom para
jovens atletas/ Foto: Arquivo Pessoal
Talvez você não conheça Armando Tarlazis Vieira dos Santos, nem Mandinho e nem dos Santos. Mas provavelmente se você perguntar a um cidadão lituano ele saberá quem é. De primeira ele pode falar o apelido errado, como revela o próprio jogador, mas facilmente vai saber que se trata de um brasileiro, que jogou 5 anos na Lituânia e fez fama e família por lá. Aos 29 anos, o meia que passou por equipes de São Paulo, como o Tricolor Paulista e Palmeiras, ainda na base, foi em busca de novas experiêcias no Velho Continente. A primeira parada foi na Dinamarca, onde rodou por três equipes. Em seguida, desembarcou na Lituânia, em 2007, para ter o primeiro contato com o país. De lá voltou para São Paulo, fez escala de uma temporada na Estônia. Após atuar no país vizinho, retornou a Lituânia. Hoje, em Malta, ele conta um pouco da experiência que viveu no país báltico em entrevista exclusiva ao Caio Fiusa.

Caio Fiusa: Primeiramente, Mandinho ou Armando Tarlazis?

Mandinho: Como você quiser. Mandinho eu gosto mais, mas no meu uniforme usava dos Santos. O Guilherme Ferreira, meu empresário, gosta mais de Mandinho. Ele acha que é um produto melhor. O problema é que na Lituânua eles tinham dificuldade em falar. Ficava Mandinio ou Mandinrro

CF: Mandinho, como você avalia o mercado lituano para os jogadores brasileiros?

Mandinho: Quando fui para lá a primeira vez, era um mercado muito bom, tanto para jovens quanto para jogadores experientes. Os clubes pagavam bem e o nível do campeonato era alto. Mas houve uma crise no futebol lituano, alguns clubes saíram da competição e com isso a parte financeira caiu muito. Hoje, algumas equipes já podem pagar os jogadores como antes ou perto do que era. Eu acredito que para os jogadores novos é um bom caminho para entrar na Europa, mas eles precisam ter a humildade de aceitar um novo tipo de futebol e uma nova mentalidade. A adaptação não é fácil, o clima não ajuda. Mas, quando se é um jogador com vontade de vencer é uma oportunidade muito boa, já que os clubes oferecem a estrutura necessária.

CF: Então você teve uma adaptação complicada?

Mandinho: Eu tive uma adaptação mais tranquila porque já tinha jogado na Dinamarca, um país frio. A comunicação foi com certeza um problema porque nem todos no time falavam inglês e eu tive que aprender pelo menos o básico do lituano. O inverno é bem rigoroso e longo. Até o começo do campeonato ainda estava nevando e as primeiras rodadas são jogadas em campos de grama artificial. Mas eu tenho a seguinte filosofia: quando eu saio do meu país, para tentar algo em outro lugar, eu preciso ir com a mente aberta e tentar absorver o máximo dos costumes e aprender coisas novas. Eu que tenho que me adaptar ao país e não o contrário. Então, apesar de eu ter tido algumas dificuldades, tentei levar da melhor maneira possível e evoluir como jogador e ser humano.

CF: Ainda sobre a adaptação, alguma coisa mudou na pessoa Armando Tarlazis Vieria dos Santos?

Mandinho: Eu me tornei uma pessoa mais forte mentalmente. Um pouco mais duro até. Acredito que essa foi a maior mudança.

CF: O futebol é muito diferente? E quais as principais diferenças?

Mandinho: Se antes, na minha primeira passagem, quando haviam muitos estrangeiros, principalmente sulamericanos, o futebol já era bem físico e com bastante contato, hoje, predominantemente com jogadores lituanos e do leste europeu, ficou ainda mais. A parte de treino também é muito diferente do que estamos acostumados. Na Lituânia se valoriza muito a potência, os piques curtos e os saltos. Além disso, a parte tática é bem rígida, não há muito espaço para o improviso.

CF: Você tem uma filha pequena e uma das preocupações dos jogadores brasileiros quando estão em outro país é em relação ao crescimento dos filhos longe do Brasil e à educação. Como está sendo essa fase?

Mandinho: Quando eu e minha esposa, que é lituana, decidimos ter um filho, achamos melhor voltar para a Europa, porque no nosso ponto de vista nos traria mais segurança. Nossa filha nasceu na Lituânia, mas eu gostaria muito de criar minha filha e meus futuros filhos no Brasil, mas infelizmente, pela questão da segurança, nào é a melhor opção. É o país que eu amo, mas todo dia, mesmo daqui de Malta, eu vejo notícias de sequestros, assassinatos e coisas do gênero e isso para um pai a segurança dos filhos vem em primeiro lugar. Lógico que em todo lugar há risco, mas na Europa é bem menor. Nós matriculamos ela em uma escola lituana, mas com a mudança de clube e país, ela deve acabar estudando em uma escola daqui. O clube está nos ajudando muito com isso. Sou bastante grato.

Destaque no FK Banga Gargzdai, vê o campeonato
lituano desnivelado./ Foto: Arquivo Pessoal
CF: No passado, a Lituânia pertenceu à Polônia e depois à União Soviética. Percebe alguma semelhança no futebol?

Mandinho: Sim, há semelhanças até pelo fato de jogadores e treinadores que trabalham na Lituânia terem trabalhado na Rússia ou na Polônia. Eu joguei também na Estônia e lá morei em uma cidade russa. Basicamente a filosofia e mentalidade era a mesma que eu já conhecia da Lituânia, muitos inclusive falam russo. Mas eu acho que por causa da internet e também da Lituânia hoje ser um país que não sofre tanta influ^ncia russa, a tendência é que os métodos de treinamento e a cultura mudem gradativamente. Hoje o time que está liderando o campeonato e que quase entrou na fase de grupos da Europa League, o Vilnius Zalgiris, que por sinal tem um técnico polônes, joga um futebol muito bonito e técnico.

CF: Você atuou por FC Siauliai, FC Klaipeda, FK Banga Gargzdai...O campeonato é nivelado?

Mandinho: O FC Klaipeda não existe mais. O clube foi montado com muitas promessas, mas com pouco comprometimento de quem o formou. O campeonato não é nivelado. Os primeiros colocados têm uma receita anual muito maior do que os clubes médios e os médios também são bem acima dos clubes da parte de baixo da tabela. Então, o campeonato se torna menos atrativo por isso. Mesmo assim, às vezes é possível acontecer algumas surpresas. O campeonato tem 4 turnos, então as equipes se enfrentam muitas vezes e se conhecem bem. Mas o que eu acho que é determinante é que as grandes equipes contam com 20 jogadores mais ou menos do mesmo nível, enquanto as médias apenas 11. Isso em um campeonato longo, se torna um fator de desequilíbrio.

CF: Você chegou a trabalhar com o treinador Luis Antônio. Você acha possível que um brasileiro seja peça fundamental na evolução do futebol lituano, como o Zico foi para o Japão?

Mandinho: O professor Luis Antônio não teve uma real oportunidade de mostrar o seu trabalho. A estrutura oferecida a ele era muito aquém do mínimo necessário. Acho que se um treinador como o Zico, de nome, fosse para a Lituânia, pegasse um time com recursos, teria grande chance de levantar o futebol de lá. A seleção lituana hoje tem muitos atletas jogando fora do país e consegue jogar um futebol competitivo. Então, material humano tem. Acho que serua muito bom para o país que pessoas de nome trabalhassem lá ou mesmo jogadores lituanos de sucesso fora do país.

CF: Falta investimento?

Mandinho: Investimento falta com certeza. Os clubes tem grandes dificuldades de levantar recursos. Não acho que seja falta de profissionalismo, mas um processo na estrutura do futebol requer tempo de assimilação e implantação dos métodos dos grandes centros no futebol lituano. Isso não se faz do dia para a noite. Conheci pessoas lá muito bem intencionadas, mas que ainda não conseguiram implementar essa administração, porque nem todos estão prontos para isso.

CF: A Lituânia hoje é referência no basquete, tendo conquistado 3 medalhas de bronze seguidas em Olimpíadas (1992,1996,2000) e dois quarto lugar (2004, 2008). O futebol fica em segundo plano? A torcida lituana não é tão chegada assim ao futebol?

Para Mandinho, o torcedor lituano respira futebol/
Foto: Arquivo Pessoal
Mandinho: O basquete sempre briga por medalha em mundiais e é o orgulho do país. O futebol corre por fora. Mas isso não quer dizer que não haja torcida. Pelo contrário. Nos últimos dois campeonatos joguei pelo FK Banga Gargzdai, que tem umas das torcidas mais apaixonadas, a cidade inteira respirou futebol e foi uma surpresa muito grande. Acho que se a seleção de futebol tiver melhores resultados, chegando a se classificar para uma Copa do Mundo, o futebol vai ser mais valorizado, não pela torcida, mas pelos patrocinadores e investidores.

CF: A Suécia tem no Ibrahimovic sua grande estrela, assim como a Croácia tem o Modric e a Ucrânia teve o Shevchenko. Ter um jogador de sucesso mundial, referência do país, ainda é muito distante da realidade o futebol lituano?

Mandinho: Não acho. A Lituânia hoje tem jogadores em grandes equipes da Europa como o Marius Stankevicius, da Lazio. Mas ainda não tem um jogador que seja referência ou protagonista de um time. Isso se deve ao fato de se valorizar muito o físico e pouco a técnica, como disse antes. Então, consequentemente, os jogadores formados são mais defensivos ou para compôr elenco e não são líderes dentro de campo. Porém, alguns jovens atletas já estão indo para os grandes centro, com isso pode ser que desponte alguém.

CF: Por ter uma relação com o país e o carinho do torcedor, não pensou em se naturalizar? Recebeu algum convite?

Mandinho: Não, na Lituânia nunca tive o convite. Eu não pensei em naturalizar porque, por mais absurdo que pareça, estou há 12 anos em processo para tirar meu passaporte grego, já que tenho descendência grega. Mas não descartaria defender a Lituânia, tenho muito carinho pelo país, além de ter amigos e parte da minha família ser de lá. Seria uma honra ser um cidadão lituano.

CF: Cerca de 30% por cento do território lituano são florestas. É o principal ponto turístico? Além deles o que mais destacaria no país e nos costumes lituanos?

Mandinho: Sim, o país tem florestas onde pode-se acampar. Também tem lagos muitos bonitos e castelos. As praias no verão são muito frequentadas. A comida é deliciosa, apesar de ser bem diferente da nossa. Eles comem muita carne de porco, salsicha, batata...Tomam sopa sempre antes do prato principal e costumam tomar chá. O pão de lá é muito bom e os morangos são os melhores que já comi. Os lituanos vão muito aos cemitérios, porque, ao contrário do Brasil, não existe o coveiro, é a própria família quem cuida dos túmulos. Eles cultivam muito as datas comemorativas como Natal e Páscoa, cresci muito com isso também.

CF: Queria que você contasse alguma história do período que esteve na Lituânia.

Mandinho: Bom, a história mais curiosa que eu passei, foi quando a avó da minha esposa foi me ensinar a cortar lenha. Ela pegou um machado e me mostrou como cortar. Eu achei que era fácil e fui tentar. Quase arranquei minha perna fora. Fui proibido de chegar perto do machado.

CF: Sobre o seu futuro, quais são os seus objetivos?

Mandinho: Eu tenho ainda muitas ambições. Continuo motivado, mas aprendi a não fazer planos que não estão no meu controle. Eu quero atingir o mais alto que posso e trabalho diariamente para isso. Penso sempre em ganhar o próximo jogo. Vamos ver aonde isso vai me levar.

Mandinho sonha em trabalhar com crianças no futuro/
Foto:Arquivo Pessoal
CF: Eu sei que talvez, até por conta da sua idade, isso ainda esteja um pouco distante, mas quando parar pensa em trabalhar com futebol?

Mandinho: Sim, eu penso sobre isso. No FK Banga Gargzdai houve uma conversa e vejo possibilidade em outros lugares também. Gostaria muito de trabalhar com crianças. Acho que é um trabalho difícil, duro, mas livre, que sofre menos influências externas, a não ser as dos pais. Ser olheiro também é uma possibilidade real. Já indico alguns jogadores ao meu empresário. Mas por hora ainda sou apenas um jogador e, pelo meu nível de profissionalismo, acho que posso jogar por bastante tempo em um bom nível. De qualquer forma, a semente está plantada e as pessoas conhecem o meu caráter. Então, quando eu parar, é bem provável que continue no futebol.

Entrevista realizada em 11/09/2013, pela internet
Críticas, dúvidas e sugestões: fiusa.caio@gmail.com

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Entrevista: Lucas Ramon

Zagueiro chegou em 2008 em Malta, após se
destacar pelo Oeste-SP/Foto: Arquivo Pessoal
Em uma ilha, no continente europeu, com quase 1 milhão de habitantes, vive um brasileiro tentando a sorte no futebol. Revelado pelo Luverdense-MT, em 2004, o zagueiro Lucas Ramon, de 28 anos, chegou a Malta em 2008 após de destacar no Oeste, no campeonato paulista da série A-3. Após passagens pelo Qormi FC e Valletta FC, clube da capital onde foi campeão nacional e eleito melhor zagueiro da competição, chegou ao Vittoriosa Stars. Abaixo você confere a entrevista exclusiva que Lucas Ramon deu ao blog do Caio Fiusa. Na conversa ele fala sobre o período de adaptação no país e avalia a oportunidade de defender uma equipe maltesa para os brasileiros.

Caio Fiusa: Como você foi parar em Malta? Um país tão pequeno e tão desconhecido dos brasileiros. Conhecia alguma coisa a respeito?

Lucas Ramon: Eu não sabia nada sobre Malta, nem sobre o país e nem sobre o futebol. Eu tinha acabado de jogar o Campeonato Paulista da Série A-3 e viajei para o Paraná para acertar com a ADAP/Galo Maringá. Quando cheguei para assinar e estava conversando com um diretor do clube, um empresário daqui de Malta ligou pedindo um zagueiro. Na hora esse diretor me perguntou se eu tinha interesse em jogar aqui. Eu aceitei e desde então jogo em Malta.

CF: E chegando aí, como foi a sua adaptação?

LR: Foi muito difícil até porque eu não sabia falar o idioma. Primeiramente vim para um período de teste, então não tinha certeza se ficaria. Ou seja, além de toda a adaptação eu tinha que provar meu valor. Dentro de campo, no começo foi complicado porque os gramados são todos artificiais. Fora, eu não sabia cozinhar e não gostava das comidas daqui. E ainda tinha o fuso horário que me fazia ficar acordado até de madrugada para falar com a família. Todo esse período de adaptação durou 6 meses.

CF: E depois de tanto tempo no país, como avalia o futebol local?

LR: Tecnicamente o futebol não é dos melhores. É de muita força e essa foi a maior dificuldade para mim. Mas fui superando isso com a minha característica de sair jogando, que não é comum aqui. Mas para isso eu tive que aprender a jogar um jogo mais tático. Essa é uma exigência do futebol europeu. A realidade aqui é bem diferente dos centros europeus, os clubes não são estruturados e não têm retorno do dinheiro que investem.

CF: Queria que você falasse sobre os torcedores. A população em Malta não chega a 1 milhão, mesmo assim os clubes têm torcidas?

LR: Eles são totalmente fanáticos, porém nenhum clube tem um grande número de torcedores, como no Brasil. Teve época aqui que não dava para ir ao mercado que os torcedores pediam para tirar foto e autógrafo.

CF: E o campeonato é equilibrado?

LR: Na verdade não é tão equilibrado, são sempre 4 equipes que disputam o título. Em 5 anos no país, sempre uma dessas foi a vencedora. Mas, como não estou em nenhuma dessas, espero que a história nessa temporada seja diferente.

Após ser bicampeão nacional, Lucas Ramon chegou ao
Vittoriosa Stars em janeiro de 2012/Foto: Arquivo Pessoal
CF: Quando decidiu que jogaria em Malta, não temeu ficar esquecido e perder oportunidades em equipes brasileiras?

LR: Quando vim para Malta estava desempregado e precisando de uma oportunidade. Eu acabei me iludindo porque sempre gostei de desafios e achava que estando em Malta, perto das grandes potências, e me destacando, eu poderia conseguir uma chance em uma grande equipe. Mas a realidade não é bem assim. Não é impossível, mas acredito que chegar a um clube grande da Europa atuando no Brasil seja mais fácil. Eu vim para cá com um objetivo, mas as coisas aconteceram de outra forma.

CF: A renda per capita em Malta é de cerca de 20 mil doláres. Isso vale também para o futebol? É bom, financeiramente falando, jogar em Malta?

LR: Hoje tenho uma vida estável com as minhas coisas. Aqui não se ganha tão bem para ficar milionário como outros jogadores em países do centro. Mas é de onde vem o sustento para a minha família e eu recebo em dia. Então, não posso ficar reclamando.

CF: Depois de tanto tempo no futebol maltês e já identificado com os torcedores, não pensou em se naturalizar, até mesmo por ter características diferentes das dos zagueiros malteses?

LR: Pensar eu pensei e continuo pensando até hoje. Infelizmente os malteses não têm uma mentalidade profissional no futebol. Existe politicagem por trás de tudo que impedem eles de quererem naturalizar. Apesar disso, já tiveram vários rumores sobre o interesse na minha naturalização. Porém nunca fizeram o convite. Eu espero que isso possa acontecer, pois seria uma grande passo na minha carreira e acredito que assim poderia ter uma visibilidade bem maior, tendo possibilidade de então chegar a um clube que ofereça condições melhores.

CF: O futebol ainda é amador?

LR: O futebol é semi profissional e dificilmente vai se tornar totalmente profissional, embora eu tenha notado algumas melhoras nesse tempo que estou aqui.Todos os estrangeiros que vêm para Malta são profissionais e vivem exclusivamente do futebol. A maioria dos malteses exercem outra função. E é dessa função que vem o sustento deles. Mas existem também aqueles jogadores malteses que atuam fora do país.

CF: Jogar em Malta é vantajoso para os brasileiros?

LR: Olha, depende muito da situação e da condição do atleta. Na minha opinião é melhor estar aqui do que desempregado. Depende muito da posição do jogador. Por exemplo, atacante sempre é mais prevalecido. Indiquei um amigo, o Camilo Sanvezzo, que não tinha nada na carreira como jogador, nunca tinha ganhado dinheiro com o futebol. Ele veio para cá, foi o artilheiro do campeonato e daqui foi para a Coreia do Sul. Depois foi para o Canadá, onde hoje é muito bem pago e é artilheiro da MLS a frente do Henry. Acredito que se o jogador vier vai ter a oportunidade de conhecer um outro país, outra cultura, adquirir experiência, aprender outro idioma. Mas, se ele tiver outra proposta financeiramente boa, não compensa vir para cá.

CF: O que aprendeu nesse tempo convivendo com um cultura totalmente diferente da brasileira?

LR: Aprendi uma coisa importante como o respeito às leis de um país. Aqui a criminalidade é zero, são casos isolados, de vez em quando acontece algo violento. Acredito que isso acontece raramente porque as pessoas sabem que vão pagar pelo que fazem. Não tem impunidade. Agora eu estranhei um pouco a culinária, como falei antes. Eles gostam de comer caramujos, mas são aqueles que costumamos dizer no Brasil que dá barriga d´água. Gostam de comer também carne de cavalo e coelho.

CF: Queria que você contasse alguma história que tenha te marcado nesses 5 anos.

LR: Bom, tem algumas histórias legais. Um dia estava com a minha esposa e dois amigos no carro e do nada começaram a fechar a rua. Descemos para ver o que estava acontecendo e descobrimos que era a polícia que estava fechando a rua porque o Papa iria passar bem ali do nosso lado com seu batmóvel (risos). Tivemos a oportunidade de ver o Papa de perto. Uma outra história que aconteceu comigo e essa sem dúvida foi a mais importante da minha carreira, foi quando eu fui nomeado o melhor zagueiro do campeonato nacional. Eu estava muito apreensivo, já que haviam dois outros zagueiros muito bons concorrendo. Quando chamaram meu nome foi uma emoção muito grande receber o troféu. Sensação indescritível.

CF: Além da família, do que sente mais falta do Brasil e o que costuma fazer no tempo livre?

LR: Além da família sinto falta dos amigos e das delícias do Brasil, como um bom churrasco, pastel de feiram, caldo de cana e várias outras. No meu tempo livre tento curtir minha esposa e meu filho, além de jogar video game, assistir filmes e passear.

Entrevista realizada em 4/09/2013, pela internet.
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