quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Entrevista: Mandinho

Para Mandinho, futebol lituano é bom para
jovens atletas/ Foto: Arquivo Pessoal
Talvez você não conheça Armando Tarlazis Vieira dos Santos, nem Mandinho e nem dos Santos. Mas provavelmente se você perguntar a um cidadão lituano ele saberá quem é. De primeira ele pode falar o apelido errado, como revela o próprio jogador, mas facilmente vai saber que se trata de um brasileiro, que jogou 5 anos na Lituânia e fez fama e família por lá. Aos 29 anos, o meia que passou por equipes de São Paulo, como o Tricolor Paulista e Palmeiras, ainda na base, foi em busca de novas experiêcias no Velho Continente. A primeira parada foi na Dinamarca, onde rodou por três equipes. Em seguida, desembarcou na Lituânia, em 2007, para ter o primeiro contato com o país. De lá voltou para São Paulo, fez escala de uma temporada na Estônia. Após atuar no país vizinho, retornou a Lituânia. Hoje, em Malta, ele conta um pouco da experiência que viveu no país báltico em entrevista exclusiva ao Caio Fiusa.

Caio Fiusa: Primeiramente, Mandinho ou Armando Tarlazis?

Mandinho: Como você quiser. Mandinho eu gosto mais, mas no meu uniforme usava dos Santos. O Guilherme Ferreira, meu empresário, gosta mais de Mandinho. Ele acha que é um produto melhor. O problema é que na Lituânua eles tinham dificuldade em falar. Ficava Mandinio ou Mandinrro

CF: Mandinho, como você avalia o mercado lituano para os jogadores brasileiros?

Mandinho: Quando fui para lá a primeira vez, era um mercado muito bom, tanto para jovens quanto para jogadores experientes. Os clubes pagavam bem e o nível do campeonato era alto. Mas houve uma crise no futebol lituano, alguns clubes saíram da competição e com isso a parte financeira caiu muito. Hoje, algumas equipes já podem pagar os jogadores como antes ou perto do que era. Eu acredito que para os jogadores novos é um bom caminho para entrar na Europa, mas eles precisam ter a humildade de aceitar um novo tipo de futebol e uma nova mentalidade. A adaptação não é fácil, o clima não ajuda. Mas, quando se é um jogador com vontade de vencer é uma oportunidade muito boa, já que os clubes oferecem a estrutura necessária.

CF: Então você teve uma adaptação complicada?

Mandinho: Eu tive uma adaptação mais tranquila porque já tinha jogado na Dinamarca, um país frio. A comunicação foi com certeza um problema porque nem todos no time falavam inglês e eu tive que aprender pelo menos o básico do lituano. O inverno é bem rigoroso e longo. Até o começo do campeonato ainda estava nevando e as primeiras rodadas são jogadas em campos de grama artificial. Mas eu tenho a seguinte filosofia: quando eu saio do meu país, para tentar algo em outro lugar, eu preciso ir com a mente aberta e tentar absorver o máximo dos costumes e aprender coisas novas. Eu que tenho que me adaptar ao país e não o contrário. Então, apesar de eu ter tido algumas dificuldades, tentei levar da melhor maneira possível e evoluir como jogador e ser humano.

CF: Ainda sobre a adaptação, alguma coisa mudou na pessoa Armando Tarlazis Vieria dos Santos?

Mandinho: Eu me tornei uma pessoa mais forte mentalmente. Um pouco mais duro até. Acredito que essa foi a maior mudança.

CF: O futebol é muito diferente? E quais as principais diferenças?

Mandinho: Se antes, na minha primeira passagem, quando haviam muitos estrangeiros, principalmente sulamericanos, o futebol já era bem físico e com bastante contato, hoje, predominantemente com jogadores lituanos e do leste europeu, ficou ainda mais. A parte de treino também é muito diferente do que estamos acostumados. Na Lituânia se valoriza muito a potência, os piques curtos e os saltos. Além disso, a parte tática é bem rígida, não há muito espaço para o improviso.

CF: Você tem uma filha pequena e uma das preocupações dos jogadores brasileiros quando estão em outro país é em relação ao crescimento dos filhos longe do Brasil e à educação. Como está sendo essa fase?

Mandinho: Quando eu e minha esposa, que é lituana, decidimos ter um filho, achamos melhor voltar para a Europa, porque no nosso ponto de vista nos traria mais segurança. Nossa filha nasceu na Lituânia, mas eu gostaria muito de criar minha filha e meus futuros filhos no Brasil, mas infelizmente, pela questão da segurança, nào é a melhor opção. É o país que eu amo, mas todo dia, mesmo daqui de Malta, eu vejo notícias de sequestros, assassinatos e coisas do gênero e isso para um pai a segurança dos filhos vem em primeiro lugar. Lógico que em todo lugar há risco, mas na Europa é bem menor. Nós matriculamos ela em uma escola lituana, mas com a mudança de clube e país, ela deve acabar estudando em uma escola daqui. O clube está nos ajudando muito com isso. Sou bastante grato.

Destaque no FK Banga Gargzdai, vê o campeonato
lituano desnivelado./ Foto: Arquivo Pessoal
CF: No passado, a Lituânia pertenceu à Polônia e depois à União Soviética. Percebe alguma semelhança no futebol?

Mandinho: Sim, há semelhanças até pelo fato de jogadores e treinadores que trabalham na Lituânia terem trabalhado na Rússia ou na Polônia. Eu joguei também na Estônia e lá morei em uma cidade russa. Basicamente a filosofia e mentalidade era a mesma que eu já conhecia da Lituânia, muitos inclusive falam russo. Mas eu acho que por causa da internet e também da Lituânia hoje ser um país que não sofre tanta influ^ncia russa, a tendência é que os métodos de treinamento e a cultura mudem gradativamente. Hoje o time que está liderando o campeonato e que quase entrou na fase de grupos da Europa League, o Vilnius Zalgiris, que por sinal tem um técnico polônes, joga um futebol muito bonito e técnico.

CF: Você atuou por FC Siauliai, FC Klaipeda, FK Banga Gargzdai...O campeonato é nivelado?

Mandinho: O FC Klaipeda não existe mais. O clube foi montado com muitas promessas, mas com pouco comprometimento de quem o formou. O campeonato não é nivelado. Os primeiros colocados têm uma receita anual muito maior do que os clubes médios e os médios também são bem acima dos clubes da parte de baixo da tabela. Então, o campeonato se torna menos atrativo por isso. Mesmo assim, às vezes é possível acontecer algumas surpresas. O campeonato tem 4 turnos, então as equipes se enfrentam muitas vezes e se conhecem bem. Mas o que eu acho que é determinante é que as grandes equipes contam com 20 jogadores mais ou menos do mesmo nível, enquanto as médias apenas 11. Isso em um campeonato longo, se torna um fator de desequilíbrio.

CF: Você chegou a trabalhar com o treinador Luis Antônio. Você acha possível que um brasileiro seja peça fundamental na evolução do futebol lituano, como o Zico foi para o Japão?

Mandinho: O professor Luis Antônio não teve uma real oportunidade de mostrar o seu trabalho. A estrutura oferecida a ele era muito aquém do mínimo necessário. Acho que se um treinador como o Zico, de nome, fosse para a Lituânia, pegasse um time com recursos, teria grande chance de levantar o futebol de lá. A seleção lituana hoje tem muitos atletas jogando fora do país e consegue jogar um futebol competitivo. Então, material humano tem. Acho que serua muito bom para o país que pessoas de nome trabalhassem lá ou mesmo jogadores lituanos de sucesso fora do país.

CF: Falta investimento?

Mandinho: Investimento falta com certeza. Os clubes tem grandes dificuldades de levantar recursos. Não acho que seja falta de profissionalismo, mas um processo na estrutura do futebol requer tempo de assimilação e implantação dos métodos dos grandes centros no futebol lituano. Isso não se faz do dia para a noite. Conheci pessoas lá muito bem intencionadas, mas que ainda não conseguiram implementar essa administração, porque nem todos estão prontos para isso.

CF: A Lituânia hoje é referência no basquete, tendo conquistado 3 medalhas de bronze seguidas em Olimpíadas (1992,1996,2000) e dois quarto lugar (2004, 2008). O futebol fica em segundo plano? A torcida lituana não é tão chegada assim ao futebol?

Para Mandinho, o torcedor lituano respira futebol/
Foto: Arquivo Pessoal
Mandinho: O basquete sempre briga por medalha em mundiais e é o orgulho do país. O futebol corre por fora. Mas isso não quer dizer que não haja torcida. Pelo contrário. Nos últimos dois campeonatos joguei pelo FK Banga Gargzdai, que tem umas das torcidas mais apaixonadas, a cidade inteira respirou futebol e foi uma surpresa muito grande. Acho que se a seleção de futebol tiver melhores resultados, chegando a se classificar para uma Copa do Mundo, o futebol vai ser mais valorizado, não pela torcida, mas pelos patrocinadores e investidores.

CF: A Suécia tem no Ibrahimovic sua grande estrela, assim como a Croácia tem o Modric e a Ucrânia teve o Shevchenko. Ter um jogador de sucesso mundial, referência do país, ainda é muito distante da realidade o futebol lituano?

Mandinho: Não acho. A Lituânia hoje tem jogadores em grandes equipes da Europa como o Marius Stankevicius, da Lazio. Mas ainda não tem um jogador que seja referência ou protagonista de um time. Isso se deve ao fato de se valorizar muito o físico e pouco a técnica, como disse antes. Então, consequentemente, os jogadores formados são mais defensivos ou para compôr elenco e não são líderes dentro de campo. Porém, alguns jovens atletas já estão indo para os grandes centro, com isso pode ser que desponte alguém.

CF: Por ter uma relação com o país e o carinho do torcedor, não pensou em se naturalizar? Recebeu algum convite?

Mandinho: Não, na Lituânia nunca tive o convite. Eu não pensei em naturalizar porque, por mais absurdo que pareça, estou há 12 anos em processo para tirar meu passaporte grego, já que tenho descendência grega. Mas não descartaria defender a Lituânia, tenho muito carinho pelo país, além de ter amigos e parte da minha família ser de lá. Seria uma honra ser um cidadão lituano.

CF: Cerca de 30% por cento do território lituano são florestas. É o principal ponto turístico? Além deles o que mais destacaria no país e nos costumes lituanos?

Mandinho: Sim, o país tem florestas onde pode-se acampar. Também tem lagos muitos bonitos e castelos. As praias no verão são muito frequentadas. A comida é deliciosa, apesar de ser bem diferente da nossa. Eles comem muita carne de porco, salsicha, batata...Tomam sopa sempre antes do prato principal e costumam tomar chá. O pão de lá é muito bom e os morangos são os melhores que já comi. Os lituanos vão muito aos cemitérios, porque, ao contrário do Brasil, não existe o coveiro, é a própria família quem cuida dos túmulos. Eles cultivam muito as datas comemorativas como Natal e Páscoa, cresci muito com isso também.

CF: Queria que você contasse alguma história do período que esteve na Lituânia.

Mandinho: Bom, a história mais curiosa que eu passei, foi quando a avó da minha esposa foi me ensinar a cortar lenha. Ela pegou um machado e me mostrou como cortar. Eu achei que era fácil e fui tentar. Quase arranquei minha perna fora. Fui proibido de chegar perto do machado.

CF: Sobre o seu futuro, quais são os seus objetivos?

Mandinho: Eu tenho ainda muitas ambições. Continuo motivado, mas aprendi a não fazer planos que não estão no meu controle. Eu quero atingir o mais alto que posso e trabalho diariamente para isso. Penso sempre em ganhar o próximo jogo. Vamos ver aonde isso vai me levar.

Mandinho sonha em trabalhar com crianças no futuro/
Foto:Arquivo Pessoal
CF: Eu sei que talvez, até por conta da sua idade, isso ainda esteja um pouco distante, mas quando parar pensa em trabalhar com futebol?

Mandinho: Sim, eu penso sobre isso. No FK Banga Gargzdai houve uma conversa e vejo possibilidade em outros lugares também. Gostaria muito de trabalhar com crianças. Acho que é um trabalho difícil, duro, mas livre, que sofre menos influências externas, a não ser as dos pais. Ser olheiro também é uma possibilidade real. Já indico alguns jogadores ao meu empresário. Mas por hora ainda sou apenas um jogador e, pelo meu nível de profissionalismo, acho que posso jogar por bastante tempo em um bom nível. De qualquer forma, a semente está plantada e as pessoas conhecem o meu caráter. Então, quando eu parar, é bem provável que continue no futebol.

Entrevista realizada em 11/09/2013, pela internet
Críticas, dúvidas e sugestões: fiusa.caio@gmail.com

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